Esta semana o difícil é escolher um tema, de tantos que há: crise política, tragédia social, esquizofrenia fiscal, Europa ou falta dela, Relvas e fundos comunitários, o feriado do 5 de outubro e as cenas tristes, um (in)seguro que não acerta o passo nem o compasso, a recessão, milhões de euros pedidos para pagar dívidas a perder de vista, fim das freguesias, sem consulta popular, etc.
No entanto, prefiro quedar-me por cá, pela Guarda, mais concretamente pelo hospital e pelos desmandos de quem o governa.
Naquela casa há de tudo: personagens que, tal como António Borges está para Passos Coelho, por ali vão gravitando, sem contrato, à volta de Ana Manso, fraturas profundas no Conselho de Administração, serviços clínicos sem direção nomeada, um hospital novo que apodrece, engenheiros em guerra, despedimentos sumários de trabalhadores incómodos, advertências a funcionários que são vistos em “más companhias”, o fantasma de Francisco Manso que teima em não desaparecer, agentes da Inspeção-geral da Saúde a passar tudo a pente fino, etc., etc., etc.
Há umas semanas, Ana Manso tentou, sem sucesso, obter junto da ARS do Centro autorização para renovar o contrato de uma certa funcionária. Vai daí, abespinhada pela nega, resolveu subir um degrau e bater à porta do secretário de estado.
Só que Ana Manso não se limitou à estafada cunha e à hipérbole dos méritos da funcionária. Aproveitou para zurzir forte e feio no malvado presidente da ARS que, por acaso, é o padre que nesta doutrina detém, por lei, a tutela que neste tipo de decisões nem sequer compete ao bispo. E fê-lo nestes termos: “… importa denotar que a ARS do Centro tem levantado todo o tipo de questões desprovidas de justificação bastante e insensíveis ao reconhecimento do mérito profissional, impedindo deste modo a renovação do Contrato Individual de Trabalho” (da funcionária).
E terminou desta forma: “… vimos pelo presente reiterar a continuidade da (funcionária) … solicitando para este efeito a intervenção de V. Exa.ª na justa e célere resolução do problema ora colocado.”
O verdadeiro problema surgiu quando “mão amiga” do Vaticano (diga-se: de Lisboa) fez chegar ao padre – o atraiçoado presidente da ARS – uma cópia da carta enviada por Ana Manso ao bispo. Por acaso até sei qual foi a reação do visado, mas não a posso revelar aqui por uma questão de pudor.
Mas a história não acaba aqui.
A mesma “mão amiga” fez ainda questão de espalhar a carta aos quatro ventos.
Os leitores, que ainda não desistiram, quererão saber se o secretário acabou por desautorizar o presidente da ARS Centro, dando seguimento à cunha e renovando o contrato à funcionária.
Pois para esta questão ainda não tenho resposta.
Como não tenho (não tenho?) para uma série de outras: não sei se a carta chegou efetivamente ao seu destinatário; não sei se foi intercetada por uma secretária zelosa que ficou com os cabelos em pé ao ler o parágrafo maldito; não sei se essa secretária zelosa telefonou de imediato a Ana Manso a rogar-lhe que fizesse desaparecer o parágrafo da desgraça; não sei se houve alguma tentativa para corrigir a carta, fabricando à pressa uma versão soft; não sei se passou a haver duas versões da mesma carta com diferentes números de saída do expediente; não sei se passou a haver três versões da carta, tal era a confusão de números de saída do expediente; não sei se Ana Manso se deslocou à pressa a Lisboa para tentar apagar o fogo; e não sei, finalmente, se a tentativa de desautorização do presidente da ARS Centro teve sucesso.
Esta história ilustra bem a natureza e os métodos utilizados pelas oligocracias que nos governam. Faz-nos bem saber que por trás do altar do poder, a triste realidade é bem o contrário do ambiente ético, impoluto e irrepreensível que nos tentam vender. Continua a ser feita de cunhas, de facadas nas costas e de uma suprema hipocrisia.
Em suma, eis a natureza humana à solta, oleada pela estonteante fragrância do poder.
Há gentinha para quem, como afirmou John Milton, em Paraíso Perdido, “É melhor reinar no inferno do que servir no céu.”…
Por: Jorge Noutel