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Nova Orleães ou o luto (parte I)

“… colados a um velho espelho rachado atrás do balcão, havia pequenos letreiros todos iguais: Não Faças Caso da Vida… Não Lhe Escaparás Com Ela.”

Adaptado de Truman Capote em “O cães ladram”

O luto vem em revoadas.

Quando pensamos que estamos curados, there it is again.

Dizem que os intervalos são cada vez mais longos à medida que o tempo passa. Ou seja, primeiro lembramo-nos daquela pessoa todos os minutos, depois todos os dias, mais tarde só uma vez por semana, posteriormente uma vez por mês, seguidamente de três em três meses, após uma vez por ano, por fim de três em três anos, e por aí fora, cada vez de forma menos intensa, mais breve e menos dolorosa.

Mas, de tempos a tempos, é inevitável. Basta um cheiro, uma cor, uma mudança de lua, uma palavra e ela ai está… a falta, a saudade, a ilusão momentânea de que a pessoa está ali outra vez, que nos podemos agasalhar nela, agarrá-la, sustê-la, impedi-la de se desvanecer no nada… outra vez.

O Dia de Todos os Santos é uma data em que é suposto mostrarmos que não nos esquecemos dos nossos mortos. Ele são flores, arranjos, velas, regas, reposição de terra perdida, limpeza de mármores, esfregação de granitos, enfim. As pessoas choram compulsivamente ou vertem apenas uma lágrima ou limitam-se a um pensamento, conforme o carácter, a intensidade da ligação e o tempo que já passou mas, definitivamente, há um estado ou, pelo menos, uma aparência cultivada de melancolia.

Excepto em Nova Orleães.

Em Nova Orleães, os mortos não estão enterrados. Estão apenas encerrados nas suas caixinhas de tijolo arrancado às margens do lago Pont Chartrain, à espera que passe um ano e um dia para o caixão ser retirado, encostado às paredes do cemitério e o que resta, geralmente nada mais do que ossos bem limpinhos (porque o calor dentro das câmaras argilosas é enorme e a decomposição processa-se rapidamente), empurrado para o caveau, um compartimento na parte inferior do túmulo, onde ficarão até o tempo os transformar em pó.

Mas não era sobre estes pormenores tétricos ou práticos, como lhes queiram chamar, que eu queria falar. Os mesmos, assim como as suas origens, serão objecto de uma outra crónica, se a direcção do Interior não se aborrecer, entretanto, ou os leitores não protestarem, sugerindo que eu me entretenha a escrever para uma revista de coveiros ou para um site necrofílico, em vez de estar a chatear os sãos de espírito com a minha morbidez.

O que eu queria contar, mesmo, é da festa.

Sim porque os nova-orleãnenses não choram, pelo menos em público. Juntam-se, fazem uma festa com comes-e-bebes, conversam e… ouvem música.

O paradigma são os jazz funerals. Podem ser em primeira mão, ou seja, existe um morto real para ser levado de casa, ou da igreja, para o cemitério, ou em segunda mão, os second line funerals, os enterros simbólicos de alguém que já morreu e que vai ser novamente acompanhado pelos amigos e por quem se lhes quiser juntar.

Foi a um funeral desses que eu fui.

À frente ia uma jazz brad band. Nunca ouviram? Não ouçam. É ensurdecedor. Mas há quem goste. Chegam a fazer-se concertos, à noite, em espaços fechados e pequenos, daquela cacofonia. É de matar… ou de acordar os mortos, conforme o ponto de vista.

Seguia-se…

I´m sorry, tenho de ficar por aqui. Esgotou-se-me o tempo e os caracteres (2573 excluindo espaços).

Continua no próximo capítulo.

Por: Maria Massena

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