O ex-presidente do Conselho de Administração (CA) da Unidade Local de Saúde (ULS) da Guarda negou segunda-feira ter tido «interesse pessoal» em reter 17 cartas com um abaixo-assinado de 56 médicos do Hospital Sousa Martins sobre a maternidade.
Fernando Girão começou a ser julgado no Tribunal da Guarda por violação de correspondência num caso que remonta a setembro de 2009. Semanas antes das legislativas, um grupo de médicos subscreveu um abaixo-assinado, elaborado em papel timbrado da ULS, em que perguntava ao primeiro-ministro de então se o Governo tencionava fechar algumas maternidades da região. Além de José Sócrates, as missivas tinham como destinatários os grupos parlamentares na Assembleia da República e outras entidades, entre elas o próprio Fernando Girão, sendo que a correspondência seria enviada a expensas da ULS. No entanto, apenas a carta destinada ao chefe do Governo chegou ao destino, as restantes 17 foram parar ao gabinete de Fernando Girão. Na primeira sessão do julgamento, o médico confirmou o sucedido e alegou que a decisão foi tomada «por unanimidade» pelo Conselho de Administração.
O antigo responsável acrescentou que não teve «qualquer intenção de impedir» que as missivas chegassem aos destinatários e que as reteve para serem entregues no Ministério Público, pois «estava em causa o nome da ULS e a utilização de dinheiros públicos para fins políticos». Isto porque não duvidava que a intenção dos signatários era «dar a entender que aquela tomada de posição era da ULS», tendo revelado que recebeu um telefonema do gabinete do primeiro-ministro «a saber o que se passava». O médico considerou, por isso, tratar-se de uma «manobra política» relacionada com as legislativas desse mês – «Matos Godinho está ligado ao Bloco de Esquerda», disse. De resto, indicou que por causa deste caso o CA instituiu posteriormente as regras do expediente. Nesta sessão, o tribunal ouviu ainda Henrique Fernandes, o primeiro signatário do abaixo-assinado. O oftalmologista contou ter encarregue Matos Godinho de entregar as cartas na secretaria do seu serviço para serem levadas ao expediente. «Como era habitual», disse.
Referiu também ter pago a segunda via das 17 cartas retidas por Girão e que teria feito o mesmo com as primeiras «se tivesse sido informado disso». E revelou que recebeu respostas de alguns destinatários porque era o primeiro subscritor. «Não houve confusão com a ULS», sublinhou. Provocador, Henrique Fernandes ainda declarou que Fernando Girão foi nomeado presidente da ULS porque ele próprio interveio no processo. «Na altura, falei com Fernando Cabral, mas a sua escolha pressupunha um princípio de lealdade para com a instituição e nunca para com o PS», contou, afirmando que o objetivo do abaixo-assinado era «ouvir os políticos sobre a maternidade antes das eleições». Por sua vez, António Matos Godinho declarou que o documento «não melindrava publicamente o presidente da ULS», mas sustentou que a retenção das cartas lhe proporcionou «uma arma poderosa para iniciar processos persecutórios contra mim e Henrique Fernandes».
Segundo o anestesista, foi Fernando Girão que «despoletou o processo disciplinar de ambos, escolheu o instrutor e decidiu o valor da pena: 17.776 euros para Henrique Fernandes e 15.106 euros para mim por termos usado papel timbrado e envelopes da ULS». Ambos recorreram da decisão para o Tribunal Administrativo, que ainda não se pronunciou. Entretanto, Henrique Fernandes interpôs neste processo um pedido cível de indemnização, de 2.500 euros, contra Fernando Girão. «O dinheiro será entregue à Casa do Pessoal do hospital», disse a O INTERIOR, à margem da audiência. O julgamento prossegue a 8 de maio.
Luis Martins