O Ministério da Agricultura apresentou na passada semana as medidas para mitigar os efeitos da seca, mas os agricultores da região não ficaram satisfeitos, queixando-se do atraso com que estas surgiram, e da possível ineficácia de algumas das propostas avançadas.
No mesmo dia em que se ficou a saber que 57 por cento do território nacional está em seca extrema, Assunção Cristas anunciou que o Governo vai disponibilizar 40 milhões de euros em apoios aos agricultores até ao final do ano, valor a que se somam 50 milhões que chegam de uma linha de crédito que deverá estar pronta em breve. As ajudas incluem ainda um apoio direto aos produtores de animais, no valor de 20 milhões, e que a governante prevê que esteja a ser pago a 31 de maio. No âmbito fiscal, haverá uma isenção, por seis meses, dos pagamentos à Segurança Social e também uma aceleração do reembolso do IVA e dos pagamentos por conta, que serão condensados em dezembro. Finalmente, haverá uma antecipação do pagamento único, que deveria ser entregue em dezembro, e que Assunção Cristas estima que seja pago no final de outubro.
António Machado, presidente da Associação dos Agricultores do Distrito da Guarda, diz que estas medidas «pecam por tardias, pois não houve inverno, a seca já dura há cinco meses e os agricultores estão com a corda na garganta, não têm nada para dar aos animais». O representante dos agricultores do distrito diz não poder avaliar «se as medidas são boas ou más, porque ainda não saíram do papel e ainda nada chegou aos agricultores», e alerta para a situação «dramática» das culturas. «Os cereais de outono/inverno não vão produzir praticamente nada, e as culturas que se plantam e semeiam agora também não estão a germinar porque a terra está seca», afirma.
Para o responsável, «esta que é a maior seca dos últimos 70 anos deveria ter merecido desde o início uma maior atenção do governo, com medidas mais ágeis», defende, e afirma que deveria ser feita «uma maior aposta nas energias verdes, pois torna-se cada vez mais difícil para os agricultores suportarem os custos do gasóleo».
António Machado apoia as medidas fiscais, que «sempre reivindicámos, porque há gente que não consegue pagar, e além disso, se um agricultor estiver em dívida, não se pode candidatar às ajudas», mas adiantou que, apesar disso, os agricultores da ADAG vão deslocar-se a Lisboa no dia 4 de maio «para manifestarem o desagrado por aquilo que está a acontecer no país, especialmente na agricultura, e para reclamarem mais atenção para o interior, sob pena de, qualquer dia, ficarem apenas terras para caçar javalis».
«Diferenças culturais» vão afastar agricultores das linhas de crédito
Paulo Poço, diretor técnico da Acriguarda, é da opinião que «as medidas anunciadas não vão surtir grande efeito na nossa região, porque pressupõem que o agricultor se vá socorrer da banca para alimentar os animais». A este respeito, lembra as «diferenças culturais que é preciso ter em conta, pois os agricultores desta zona têm um perfil de empresário mais “à antiga” e não gostam de ficar a dever nada a ninguém, e por isso só recorrem à banca em última instância». Estas medidas «poderão ser úteis para empresários agrícolas do Alentejo, por exemplo, que têm uma dimensão muito diferente da nossa, mas aqui na região a percentagem de agricultores a utilizar essas linhas de crédito não deverá ser superior a 10 por cento», acrescenta.
Quanto às ajudas diretas, «apesar de ainda não sabemos como vão ser pagas, são uma ajuda bem-vinda, embora possamos estar a falar num montante muito pequeno». «Claro que as ajudas poderiam ser maiores se o governo deixasse de gastar dinheiro desnecessariamente, como faz, por exemplo, na recolha de cadáveres de animais», identifica. «É que os nossos animais estão todos saneados e não há doenças infecto-contagiosas por aí à deriva que obriguem a uma recolha imediata, pelo que os cadáveres podiam ser enterrados, como sempre foram, ou servirem de alimento para outros animais.
O responsável da Acriguarda destaca como «benéfica e importante, sobretudo para os pequenos agricultores», a isenção dos pagamentos à Segurança Social se esta for «total», pois «se for uma isenção temporária e os pagamentos tiverem de ser devolvidos mais tarde, será apenas um adiar da situação». Paulo Poço mostra-se ainda esperançoso em relação à antecipação do pagamento único, que «tem sido anunciada por sucessivos governos», e sugere outras medidas, como um «acompanhamento direto nas explorações por parte dos técnicos do Ministério, para um levantamento exaustivo que permitisse a entrega das ajudas a quem se debate com maiores dificuldades e a quem produz, pois muitas vezes essa atribuição de apoios é injusta».
Medidas são «uma espécie de show-off»
José Assunção, presidente da AAPIM (Associação dos Agricultores de Produção Integrada dos Frutos de Montanha), diz que as medidas anunciadas «vêm resolver muito pouco, porque não resolvem os prejuízos causados pela seca a nível das várias culturas». Para este responsável, «o Ministério da Agricultura já há muito tempo que deveria estar a falar com as associações, para em conjunto encontrarem soluções que resolvessem os vários problemas que a seca trouxe». «Só que o Ministério limitou-se, junto com os diretores regionais, a fazer levantamentos e a criar comissões de estudo para planear o que vão fazer no futuro. E é sabido que as comissões são feitas para durar um ano ou dois e depois acabarem sem chegarem a conclusões nenhumas», afirma.
No que respeita à antecipação do pagamento de algumas ajudas, lembra que tal acontece só em outubro, «como se os agricultores tivessem fundo de maneio para se aguentarem durante um ano agrícola». «No fundo, as medidas são uma espécie de show-off, para os governantes mostrarem que estão a ajudar e que estão preocupados, mas que não ressarcem os agricultores das perdas que tiveram tanto na agricultura e pecuária, como também no sector das culturas permanentes», diz o presidente da AAPIM. «Desde o final de janeiro que os agricultores estão a regar os pomares, com todos os custos suplementares que daí advêm, e com a agravante de estarem a utilizar água que vai fazer falta na época das regas, a partir de inícios de junho», refere.
Quanto às linhas de crédito, lembra que «o agricultor está descapitalizado, e não é recorrendo ao crédito que resolve o problema». «O agricultor está sujeito a muitos riscos, pelo que deve ser ressarcido quando tem danos extraordinários, e tanto o Ministério como a Comunidade Europeia deviam ter atenção a essas coisas. Mas também entendo que não seja fácil para Portugal negociar questões de seca com Bruxelas, porque não é dos membros mais influentes da Comissão, e porque se trata de um problema que se coloca apenas a dois ou três países do sul da Europa. Se a seca afetasse também o centro e norte do continente, talvez já tivessem sido adotadas medidas mais eficazes.
As medidas fiscais são as únicas a merecerem a aprovação do responsável da AAPIM, que as considera «importantes e positivas, sobretudo a isenção dos pagamentos à Segurança Social».
Fábio Gomes