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Tempos Agrestes

Com a chegada do tempo agreste e das medidas de austeridade, a estação fria após crise é ainda mais fria obrigando-nos a pensar soluções económicas para aquecimento das casas – a possibilidade de não aquecer! O frio é especialmente sentido na zona mais fria de Portugal Continental, cada vez mais isolada e longínqua – a Beira Alta. De acordo com um estudo da Universidade de Dublin publicado e divulgado pela imprensa nacional (o estudo já tem uns anos) realizado em 14 países europeus morre-se mais no Inverno. Portugal tem a taxa mais elevada (28%) de excesso de mortalidade à frente de Espanha e Irlanda (ambas com 21%). Obviamente que a mortandade não deriva só da baixa eficiência térmica das habitações por ser difícil manter as casas quentes quando chega o frio, mas poderá ser uma causa… Sabemos como são construídas as casas em uma das zonas mais frias de Portugal. Construídas, na maioria dos casos, como se estivéssemos no Algarve!

Neste território agreste obriga que as construções sejam robustas, com elevados padrões de isolamento térmico e também de insolação. Na prática a eficiência energética das habitações é completamente descurada uma vez que as pessoas procuram quem lhes faça projetos baratos, projetos apenas para licenciamento sem perceberem que o adequado investimento será no projeto de execução que permitirá a definição em pormenor de todos os elementos da obra a construir e em primeiro lugar a escolha de um bom arquiteto. Quando a arquitetura se resume à construção material de casas, com torneadas cornijas, colunas pseudo dóricas e molduras em granito bem espessas de janelas e portas que atravessam a parede de um lado ao outro estamos a recuar muito, mas muito no tempo e na capacidade da construção dar respostas à altura dos tempos! Estes são só alguns dos aspetos negativos usuais nas construções. Este atavismo cultural sem par vai promovendo, um tipo de arquitetura completamente ultrapassada e inócua, sem quaisquer cuidados do ponto de vista da sustentabilidade energética e de conforto funcional dos espaços de habitar. Esta lógica de construção medíocre não se coaduna com as necessidades funcionais contemporâneas, com as tecnologias de construção, com o conforto e sustentabilidade e eficiência energética atuais, muito menos respondem no campo estético e/ou do gosto. Muito menos contribuem na construção qualitativa da nossa paisagem urbana. Manifestamente visível, o nosso território urbano é pobre e disforme a somar a uma avultada fatura energética nos meses frios que começa a Outubro e acaba em Abril ou Maio. E sobretudo com o aumento da fatura da EDP tornar-se-á insustentável o seu uso acima das possibilidades. Mas se existisse o bom senso de construir bem viabilizaria uma mais valia para as gerações futuras uma mais valia em termos de consumo de energia e de reduzidos custos nas manutenções e reabilitações das construções. Assim, poderemos dizer que as opções certas levariam a pensar no futuro dos descendentes. Nada pior que erguer paredes que são só elementos físicos de separação entre interior e exterior e não possam também pelas suas características responder a padrões de conforto e de vivência adaptada ao meio, ao contexto, ao lugar onde se inserem e à sua história e identidade. Assim, temos um tipo de construção que se aproxima do que temos no Algarve, que não respondem às condições climáticas específicas do interior da Beira Interior. Sou a favor da promoção de uma arquitetura específica para a região, por exemplo do ponto de vista térmico responda às grandes amplitudes térmicas que aqui ocorrem, do ponto de vista da imagem seja uma arquitetura que esteja associada e seja identificada com a região. Esta será uma das vias para o nosso sucesso coletivo e obviamente a CMG como entidade licenciadora não poderá obrigar mas pode recomendar, promover uma certa identidade, um modo de fazer, mas provavelmente não terá condições de promover por razões óbvias. A promoção de uma arquitetura sustentável determinará a médio e longo prazo benefícios ao nível da fatura energética, melhoria das condições de habitar, definição da identidade e carácter das arquiteturas, melhoria na capacidade de atração turística. O sucesso da cidade está na capacidade de oferecer o que outros não têm! Sabemos que a construção está parada e que o tema da moda é reabilitação, a reabilitação é cara porque se insiste em atuar em contextos históricos que não são mais que estruturas mumificadas e sem possibilidade de jogar com a contemporaneidade nas soluções a implementar uma vez que o estado é demasiado castrador, regulamentar e pouco operativo. Por exemplo, a par da inoperatividade criam-se sociedades de reabilitação para agilizar processos, isto para resolver em pouco tempo aquilo que não se consegue resolver naturalmente, como aconteceu com os programas Polis. É um novo dramático erro que estamos a pagar caro!!! Na maioria dos casos Polis que conheço, estão incompletos, não serviram para corrigir assimetrias urbanas, nem para corrigir o que naturalmente se devia fazer bem! E o fazer bem tem a ver com a questão prévia do que se pretende que a cidade deverá ser! Este estado de coisas também é uma parte da crise que não se tem consciência que existe e faz parte da crise que conhecemos.

Por: Carlos Veloso

* Arquiteto

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