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Os de Maio de 68 e os outros

Na nova geração ninguém grita por ninguém. Os novos jovens estão longe dos ícones e preferem a “PlayStation 2” ou o último “Game Boy” ultra color Assim não há decepções. Uma prancha de “skate” não faz mais que umas amolgadelas físicas. À geração de sessenta sucede-se a imposição do dinheiro. O consumo veio com uma força trituradora. Acompanhar a evolução tecnológica em computadores, telemóveis, portáteis, calculadoras, imagem digital torna-se dificílimo. O custo e a desvalorização dos objectos são espantosos. A “jukebox” foi o primeiro objecto supérfluo que se tornava necessário. Mas os últimos objectos impõem-se para a vida moderna. Só um “black out”, um apagão, poderia revelar as nossas fragilidades a toda esta dependência electrónica.

Já a minha geração foi educada pelos pais com contributo televisivo. Uns na rua, em luta política, e outros a ver “Bonanza”, os Mickeys, as Tartarugas Ninja, os Dragon Ball, etc. Andy Wahrol tinha prevenido desta situação, tinha previsto a importância da comunicação e Karl Popper alertara para os perigos dela.

Há vinte anos não havia multibanco, há sete anos não havia telemóveis, há doze anos não tínhamos Internet. As câmaras de vigilância invadem a nossa privacidade em todo o lado, as câmaras em telemóveis destruirão toda a privacidade. Se o mundo estava a mudar porque não mudávamos todos nós? A publicidade encarregou-se do simbólico, roubando esse protagonismo aos políticos. As multinacionais discográficas transformaram a pop num discurso sonoro amorfo e produziram símbolos e gestuais padronizados. As pessoas têm comportamentos próximos dos seus símbolos criados pelos publicitários. A importância da imagem associada ao consumo fez com que tudo se tornasse vendável. A vida pessoal, a vida doméstica, os problemas de saúde, as dificuldades financeiras, o horror, o terrorismo, a infelicidade, a extravagância, tudo se torna produto misturado na oferta de 45 canais. Eu nu no programa da Teresa, ou todos a fazer sexo no programa do Herman, ou gente oligofrénica entrevistada por espertos. Tudo é Televisão. O individualismo absorvente da nova geração é absolutamente tolerante. Porque não? Porque não pode? Qual o problema? Está-se bem. Os novos jovens não estão nas Associações, não estão nas manifestações, mas aparecem nos bares, vestem bem, cuidam o físico, exibem as marcas de roupa e reinventam a escrita e a fala. Conversam na Net, escrevem telemensagens, envolvem-se muito e com alguma persistência, longe dos devaneios de sessenta. Eles estão carregados de desejos, a nova motivação. São desejos por objectos, por up-dates, por up-grades. A diferença geracional faz-se de forma standard. Onde havia Nike hoje há Circa, onde havia Adidas há DVS, e as marcas fazem o design e o design faz as tribos. Doc Martens ultrapassados pelos Camper. O mundo massifica-se, ganha aspectos padrão, comportamentos previsíveis, lógicas verificáveis, estatisticamente comprovadas. Podemos auditar as tribos? Elas são cromos fáceis de reconhecer. Eminem por todo o lado. Mas só dura uns dias, depois será outro flash. Aqui não há ícones, há relâmpagos. A sobrevivência obrigou ao tribalismo. Reparem como se agrupam e se retiram os drogados, os homossexuais. Reparem como se formam bares de diferenças extremas. Vejam como se criam extravagâncias limite que são toleradas. Assumir todas as diferenças é uma tolerância das urbes imensas. Porque não? Sou só depois dos outros. Quem me conhece aqui?

De casa posso ir a Singapura teclando. Posso pedir um menu, um livro, uma companhia efémera teclando. Os nómadas sedentários de Nam Jun Paik são hoje uma tribo em crescimento. Esta gente das urbes infindáveis é igual em todas as urbes. Temem a doença e consomem toneladas de ansiolíticos. Temem as ruas escuras e vagueiam de automóvel cada metro quadrado. Temem a falta de dinheiro e tornam-se menos reivindicativos. Esta nova juventude é filha de uma nova Ordem mundial onde as cidades centralizam a vida e onde o campo é um exotismo festivaleiro. Não são cidades como na idade média, são muito maiores, muito mais extensas, muito mais altas, mais ricas, com mais assimetrias, mais vigilância, mais possibilidades para as pessoas exóticas, extravagantes, em tudo o que isso significa: maior violência, mais tribos, mais solidão, mais tolerância, mais indiferença, mais loucura, mais oportunidade e menos valor pela vida humana. Destes ingredientes todos poderão brotar enormes alterações legislativas, sem revolução, sem reivindicação, apenas porque se tornam lógicas e incontornáveis. Tudo o que aí vem é surpreendente. A nova juventude não pode ser julgada pelas pessoas de 60 porque não tem nada em comum com eles, talvez mesmo só o facto de serem de carne e osso e ainda terem forma de pessoas.

(Texto adaptado de uma palestra no Fórum Picoas – Lisboa em Maio 1992 para um ciclo geracional, organizado por militantes da JS)

Por: Diogo Cabrita

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