Cavaco disse que as pensões que recebe não chegam para as suas despesas e provocou com isso a indignação geral. Mesmo os seus amigos mais chegados, se instados a pronunciar-se sobre o assunto, mostram incómodo e falam em “declarações infelizes”. Os reformados em geral, aqueles que recebem muito menos do que Cavaco, sentem-se ofendidos, ridicularizados. À esquerda fala-se em insensibilidade social, à direita guarda-se um comprometido silêncio e os humoristas e cronistas aproveitam o filão. Pela parte que me toca, agradeço a oportunidade que o Sr. Presidente da República me dá para demonstrar-lhe mais uma vez a minha hostilidade, mas hoje, mais do que isso, move-me tão só o interesse pela descoberta da verdade.
É que, por um lado, as declarações de Cavaco, de tão inverosímeis, parecem mentira: do que sabemos do seu património, ele não mantém já grandes encargos, tão bons foram os negócios das casas no Algarve ou com as ações da SLN. Vive no palácio de Belém, à nossa custa, e não paga nem renda pelas instalações nem as despesas de mercearia, sem falar em água, electricidade, gás e tudo o mais. Os transportes são-lhe assegurados gratuitamente, quer se faça conduzir de limusine, Falcon ou helicóptero. Tem os filhos arrumados, não parece ter gostos de vestuário muito dispendiosos, longe disso, não é visto em casinos e não há notícia de que frequente lugares onde se gasta muito dinheiro e onde de resto não deveria, em primeiro lugar, estar – ao menos sem guarda-costas. Isto é, para o nível de encargos que aparenta, e atendendo ao generoso abono para despesas que lhe pagamos, acrescido às pensões por que optou em detrimento do salário da presidência, não tem razões de queixa. Por isso, se se queixou, dirão, só podia estar a mentir.
Mas não, um presidente não pode estar a mentir tão grosseiramente. Temos de lhe dar o benefício da dúvida e acreditar na honradez com que é suposto estar a dirigir-se ao país, mas isso, como vamos ver, só agrava, e de que maneira, as coisas. Se tendo as despesas principais pagas, recebe pensões das mais douradas do país e mesmo assim lhe não chega o dinheiro, algo de muito grave se deve estar a passar. Tivesse ele menos trinta (quarenta?) anos e poderia falar-se em vícios inconfessáveis e dispendiosos, sobretudo se ele tivesse, e não tem, pinta de jogador ou mulherengo. Mas não, aquela figura austera não engana. Estará alguém a chantageá-lo? Anda a pagar despesas a algum amigo em dificuldades? Andam a roubá-lo?
Ou estará tão só a investir no clássico choradinho “a ver se me aumentam”? Já não há pachorra.
Por: António Ferreira