P – Que balanço faz dos 9 anos e meio em que desempenhou o cargo de comandante dos Bombeiros da Guarda?
R – É um assunto que deixo para os outros. No entanto, é preciso reparar que antes de eu chegar ao comando, a casa já existia há muitos anos, mais de cem, e eu tive a sorte de ter sido comandado por vários comandantes de referência que me ensinaram. Dar seguimento ao trabalho deles foi uma das minhas missões. Por outro lado, a direção ajudou muito. Não podemos esquecer que a Guarda tem vários elementos que são ouvidos com atenção neste país.
P – O que gostaria de ter concretizado nesse período e não conseguiu?
R – Eu não sei governar à vista, reagindo apenas às situações que vão aparecendo. A gestão de um corpo de bombeiros exige o planeamento e, consequentemente, o cumprimento de etapas. Todos os anos reuníamos, os elementos de comando, graduados, bombeiros e definíamos etapas de carácter geral. Para chegar lá, competia-me a mim com o resto do comando criar as condições. Para tanto, tínhamos o apoio da direção.
P – Porque decidiu deixar o comando dos bombeiros?
R – Foi simplesmente porque houve um ato eleitoral e uma nova direção que assumiu os destinos dos Bombeiros da Guarda. À semelhança do que fiz em todas as eleições anteriores, coloquei o lugar à disposição. Neste caso, a atual direção deixou-me a decisão de continuar. Interpretei esse ato como ausência de manifestação de confiança, que será absolutamente necessária, na minha opinião, num cargo de nomeação.
P – Pretende continuar de algum modo ligado aos bombeiros?
R – São muitos anos ligados aos bombeiros para simplesmente deixar para trás seja o que for. É com espírito de missão que faço as tarefas nos bombeiros. Foi com esse espírito que aceitei a função de comandante num momento complicado para o corpo de bombeiros em 2002.
P – Na sua opinião, quais são as maiores limitações e problemas que os Bombeiros da Guarda enfrentam?
R – São a legislação excessiva e mal direcionada e o desconhecimento da realidade por parte de um bom conjunto de pessoas que tutelam a área. Os bombeiros nasceram da necessidade das populações se defenderem na área do salvamento e socorro. Fundaram as associações humanitárias e criaram os respetivos corpos de bombeiros um pouco por todo o país. É algo muito português e que durante dezenas e dezenas de anos foi a única ajuda que as populações tiveram. A evolução deu-se e os bombeiros responderam às necessidades, embora cada vez com mais dificuldades. Os sucessivos governos nunca entenderam a dinâmica dos bombeiros e foram por isso incapazes de aproveitar esta mais-valia. Estamos a falar de milhares de homens e mulheres que, com conhecimentos e competências desenvolvidas e provadas, se preparam afincadamente para socorrer o próximo, sem ordenados, nem ajudas, nem cartões de crédito. Nalguns casos, muitos casos, gastam as próprias férias para ir à Escola Nacional de Bombeiros adquirir formação para depois melhorar o socorro ou até para formar os restantes camaradas no próprio corpo de bombeiros. Fazem horas de piquetes aos fins-de-semana e feriados e durante a noite sem nada receberem. Cada vez se socorre com mais qualidade. São atos de solidariedade puros, abnegados. E talvez seja mesmo por nada ser pedido em troca que se assiste à crescente desvalorização do trabalho desenvolvido por estes seres, de facto, humanos. Tenho esperança que, no contexto difícil que vivemos, consigamos olhar para dentro, repensar o valor da solidariedade e respeitá-lo na sua real dimensão.