As Câmaras de Gouveia e Sabugal, bem como a empresa municipal Trancoso Eventos, receberam na semana passada a visita de inspetores da Polícia Judiciária que estão a investigar alegadas obras fictícias. A operação abrangeu também as autarquias de Oeiras e Alcobaça, bem como as empresas de construção MRG [ex-Manuel Rodrigues Gouveia] – Engenharia e Construção, Edivisa, do grupo Visabeira, e a VhM. As autoridades suspeitam de um esquema fraudulento com empreitadas realizadas ao abrigo de parcerias público-privadas que terão lesado o Estado «em vários milhões de euros».
Na sexta-feira, o diretor da PJ de Coimbra, que, com o Departamento de Investigação e Ação Penal daquela cidade, está encarregue do inquérito, confirmou as diligências depois do jornal “Correio da Manhã” ter noticiado as movimentações da Judiciária e as suspeitas sobre contratos assinados entre as referidas autarquias e aquelas empresas, tendo inclusive sido apreendidos dados informáticos e documentação. No distrito, os inspetores estiveram na Câmara do Sabugal para saber mais sobre a forma como surgiu o projeto Côa Camping e por que não foi concretizado. O edil António Robalo confirmou as diligências da PJ, adiantando que os investigadores consultaram processos e levaram cópias de documentos. Em causa está a parceria público-privada criada para construir o parque de campismo, uma opção aprovada pela Câmara e a Assembleia Municipal em 2008.
«Na altura, a empresa municipal Sabugal + selecionou um parceiro privado através de um concurso. O objetivo era concretizar o camping num terreno junto à estrada da Sra. da Graça. O procedimento teve dois candidatos, tendo a o júri escolhido a MRG», disse o autarca. António Robalo esclareceu que o assunto é da «inteira responsabilidade da Sabugal +», mas que o projeto «nunca passou de intenção, uma vez que o contrato de acionistas da parceria nunca foi assinado devido à falta de financiamento público para o empreendimento e aos custos do parque de campismo pretendido». Confrontada com este problema, a MRG terá mesmo desistido da parceria, enquanto em julho do ano passado, o executivo deliberou, por proposta do presidente, cancelar «definitivamente» a parceria público-privada pelas mesmas razões.
Câmara de Gouveia diz que não pagou nem recebeu compensação
Em Gouveia, a autarquia também confirmou as buscas da PJ no âmbito de um processo em que é investigada a MRG. Em comunicado, a Câmara presidida por Álvaro Amaro esclarece que a parceria público-privada celebrada com a construtora destinava-se à conceção, requalificação, conservação e comercialização do mercado municipal e zona adjacente, zona dos Bellinos, bem como à infraestruturação da zona industrial das Amarantes. «O parceiro foi selecionado num concurso público internacional, a que apenas se apresentaram duas empresas. Depois de analisadas as propostas, resultou que a apresentada pela MRG implicava a mobilização de investimento inferior a metade do valor proposto pela outra empresa concorrente», lê-se no documento. Daí resultou a escolha da MRG, que mudou a sua sede social de Seia para Coimbra há cerca de cinco anos. O município refere igualmente que decidiu fazer parte do projeto com financiamento comunitário «dado o agravamento da crise económica» e que disso informou a empresa, «que concordou com esta solução economicamente mais vantajosa para a autarquia e, consequentemente, para a defesa do interesse público».
Foi por isso que infraestruturação da zona industrial das Amarantes foi posta a concurso e adjudicada à empresa António Saraiva e Filhos. Segundo a Câmara gouveense, a MRG também aceitou que parte da requalificação do espaço da antiga fábrica Bellino & Bellino fosse retirada da parceria para que pudesse ser candidatada a fundos comunitários, através do Programa Operacional do Centro. «Ao respetivo concurso público apresentaram-se três empresas, entre as quais a MRG, tendo sido excluídas as outras duas por não cumprirem as condições do programa», recorda o município. Contudo, a obra não avançou porque se considerou necessária «a nova reequação das soluções de investimento face à conjuntura económica», tendo sido comunicada à CCDRC uma alternativa de requalificação urbana tendo em vista o aproveitamento de fundos comunitários.
Trancoso Eventos visitada
Foi então aberto novo procedimento concursal para a requalificação de uma área exterior à zona de intervenção da parceria público-privada, à qual concorreu o grupo MRG, tendo sido preterido. Por tudo isso, a autarquia garante que «em nenhum destes procedimentos, e até ao momento, o município ou a MRG pagaram ou receberam reciprocamente qualquer verba ou compensação, seja de que tipo for». Em Trancoso, a PJ esteve nas instalações da empresa municipal Trancoso Eventos, que, em 2007, celebrou com a MRG uma parceria público-privada para a construção de seis equipamentos. Desses apenas construiu a central de camionagem da “cidade de Bandarra”, o Centro Cultural de Vila Franca das Naves e requalificou o campo da feira. Na altura, a Trancoso Eventos, presidida por João Rodrigues, abriu um concurso público internacional para escolher o parceiro, tendo a opção recaído sobre a MRG. Na quinta-feira, a Judiciária analisou esses e outros documentos, como atas e contratos assinados no âmbito da PACETEG, a sociedade constituída em 2007 entre a construtora, que detém 51 por cento do capital, e a empresa municipal (49 por cento).
«O processo foi completamente transparente e, do meu ponto de vista, está regular», disse Júlio Sarmento. O autarca local adiantou que a autarquia decidiu assumir as empreitadas do centro de interpretação judaica e parte do futuro mercado municipal, obras que tenciona candidatar a fundos comunitários. «A Câmara não tem nenhuma parceria público-privada, nem a contratou, nem os elementos do seu executivo têm alguma coisa a ver com a empresa municipal», sublinhou o edil. Segundo O INTERIOR apurou, esta ação do DIAP e da PJ terá tido origem em 2009 numa denúncia de um antigo trabalhador da MRG.
Luis Martins
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