Gozámos possivelmente pela última vez o feriado de 8 de Dezembro, o da “Imaculada Concepção”. A Igreja Católica não se importa que este seja um dos dois feriados religiosos a desaparecer, tão pouco e tão obscuro significado tem para os seus crentes. Celebra-se nesse feriado, diz-nos o dicionário, o acto de conceber um filho e, embora a celebração assente mais na ausência de mácula do que na concepção em si (e não perguntem a um ateu o que ele pensa sobre concepções imaculadas), não deixa de ser estranha a desvalorização do evento em favor da manutenção de outros de que se entende ainda menos a oportunidade, a necessidade ou a função.
Se temos um problema grande, maior do que a crise financeira ou a (possível) emergência climática, é a catástrofe demográfica em curso. Não nascem crianças. Na maternidade da Guarda nascem pouco mais de quinhentas por ano e em Castelo Branco e na Covilhã ainda menos. Porquê? A razão mais evidente é estarem a ir-se embora, e muitos para o estrangeiro, jovens em idade fértil. Já não há muito que valha a pena, aqui. Não há trabalho nem esperança de o haver e todos os dias parece aparecer mais um problema, mais um incómodo. São as portagens, a meia hora de trabalho a mais por dia, a perda de metade do subsídio de Natal. Depois de anos em que as pessoas não tinham filhos porque não havia condições económicas para os ter, ou por puro e simples egoísmo, estamos a chegar ao tempo em que decidiram tê-los, se os tiverem, noutro lugar.
Numa situação destas, lutar pela manutenção das maternidades releva mais do pensamento mágico do que da razão. É um pouco como os povos da Polinésia, adeptos dos “cultos da carga”, que construíam faróis a fingir – pensando que assim atrairiam navios carregados de mercadorias. Ou como aqueles, em geral, que julgam curar a doença mascarando os sintomas.
Isto não vai lá com os “remédios” do costume. Por mais abaixo-assinados, vigílias e marchas lentas que se vão liturgicamente fazendo, vai haver um dia em que até os crentes mais empedernidos vão perceber que só há justificação para se manter uma maternidade se nascerem crianças e, sendo esse o objectivo, têm melhores maneiras de o conseguir, imaculadamente ou não.
Dir-me-ão que há uma outra discussão, mais importante e actual do que esta, e que consiste em saber quais as maternidades a fechar e as que devem continuar abertas (a haver o mal que fique antes para ti, que sejas tu a ficar sem maternidade, sem emprego, sem razão de existir, que eu descobrirei sempre argumentos melhores que os teus). Poderão ter à vontade essa discussão mesquinha, que não levará a lado nenhum senão ao esquecimento e agravamento dos verdadeiros problemas, juntamente com a criação de outros de que não precisamos. E convém recordar, outra vez e sempre, que não são os faróis a fingir que trazem ao nosso porto os navios, assim como não é por haver maternidades que nascem ou deixam de nascer crianças.
Por: António Ferreira