Antes de penetrarmos nesse território agreste e quente do Alto Douro e nos debruçarmos sobre essa natureza brava e grande, como lhe chamou João Paulo Sacadura, dominada pelo Rio Côa, e identificada de Parque Arqueológico do Vale do Côa desde que foi anunciada a “descoberta”, em Novembro de 1994, convém elencar o património português reconhecido pela Unesco como de dimensão universal e Património da Humanidade.
Há em Portugal um restrito conjunto de monumentos e sítios que mereceram a classificação. Em 1983, Angra do Heroísmo tornou-se na primeira cidade portuguesa a ser reconhecida como Património Mundial. Ao mesmo tempo que recebiam esse reconhecimento monumentos como o Mosteiro da Batalha, o Mosteiro dos Jerónimos com a Torre de Belém e o Convento de Cristo. Depois foram também a Paisagem Cultural de Sintra, Évora e o Centro Histórico do Porto. E ainda o Centro Histórico de Guimarães, o Mosteiro de Alcobaça, a Cultura da Vinha da Ilha do Pico, a Floresta Laurissilva da Madeira, o Alto Douro Vinhateiro… e a Arte Rupestre do Vale do Côa (os distritos da Guarda, Leiria e Lisboa são os únicos com dois patrimónios mundiais). Ou seja, Portugal passou a ter 13 conjuntos patrimoniais reconhecidos como de interesse para a humanidade, dos quais dois estão na nossa região – O Alto Douro Vinhateiro e a Arte Rupestre do Vale do Côa. Se mais razões não houvesse, a proximidade é, per si, um bom motivo para deambular por estes dois conjuntos patrimoniais, com nexo territorial e uma natureza deslumbrante, de visita obrigatória.
Paisagens impressionantes
A primeira coisa que interpretamos, ao percorrer as estradas sinuosas que nos conduzem à “Terra Quente”, é a mudança de paisagem que vislumbramos ao entrarmos no Alto Douro. Mesmo agora, que podemos ir da A25 até Foz Côa pelo IP2, ao sairmos para a cidade percebemos que aqui a natureza é agreste, rasgada pelos vales profundos do Douro e do Côa. Terras de xisto com clima favorável para o cultivo da vinha, da amendoeira, da oliveira, da figueira e até da laranjeira. A vinicultura chegou primeiro, há mil e quinhentos anos, e com ela chegou o trabalho do homem para domar um relevo rude e xistoso, povoado de matagal, onde o trabalho braçal e “mular” escavaram socalcos que Álvaro Salema comparou a “uma escadaria de gigantes”. Nestas terras, onde cresce a uva de que se faz o “generoso duriense”, o mais fino dos vinhos do Porto, ou os mais famosos vinhos de mesa, como o Barca Velha, tem a mais profunda e impressionista das paisagens – qualquer visitante fica fascinado.
E há também, finalmente, o Museu do Côa. Um bloco, arquitetonicamente harmonioso, sobranceiro ao Côa e ao Douro, de onde se desfrutam horizontes profundos e que nos emudecem com os seus contrastes, a sua cor, a vertiginosa beleza. E cujo interior permite a melhor interpretação do Paleolítico e da dimensão da descoberta arqueológica.
O Vale do Côa é todo um complexo de grande importância científica, patrimonial e cultural. Nas encostas rochosas encontramos registados mais de duzentos séculos de história, nomeadamente da arte dos mais antigos antepassados da Humanidade. É uma paisagem cultural ímpar, forte e vigorosa, mantida e poupada, polvilhada de vestígios arqueológicos e patrimoniais. Como disse João Zilhão, o património arrasador é o vale como um todo, «o lugar que os caçadores do Paleolítico monumentalizaram com a sua arte e onde a população atual continua a viver e a trabalhar, e não apenas os núcleos isolados de rochas gravadas e sítios arqueológicos associados».
Entre os núcleos selecionados que se podem visitar estão a Canada do Inferno (Foz Côa), a Penascosa (Castelo Melhor), a Ribeira de Piscos (Muxagata) e o Rasto dos Caçadores Paleolíticos (Algodres). O primeiro, a partir da sede do PAVC, em Foz Côa; os restantes visitáveis a partir dos Centros de Receção respetivos.
Na próxima edição votaremos ao Vale do Côa, para sugerir programas e anotar locais de visita obrigatória.
Como Ir:
A partir da A25. Sair para o IP2, próximo de Celorico da Beira, direção Trancoso, em autoestrada até ao Chafariz do Vento, seguindo depois em IP, passando por Marialva, até à saída de Foz Côa. Para comer recomenda-se o Restaurante O Bruíço, à entrada de Foz Côa.
Luis Baptista-Martins