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A armadilha da dívida

Theatrum Mundi

O Comité Nobel atribuiu o prémio Nobel da Economia deste ano a dois professores da Universidade de Princeton, com a justificação de que o seu trabalho coloca a análise da crise em bases científicas e afasta-a da opinião subjetiva. É admirável a tentativa de colocar a crise em plano neutral, reduzida a mero modelo econométrico, como se fosse um fenómeno produzido pela natureza e destinado a repetir-se ciclicamente. Admirável na sugestão de que a política nada tem a ver com isto, de que as decisões dos atores políticos, as suas expetativas e as suas interações em nada influenciam o ambiente em que se movem. Como se a economia fosse um domínio à parte da política e apropriável por intermédio de modelos científicos.

Estamos longe dos tempos em que os políticos europeus consideravam pouco provável a chegada da crise à Europa. Se tanto, diziam, o crescimento económico abrandaria mas a

crise financeira permaneceria um fenómeno norte-americano, próprio de um sistema assente no risco e com défice de regulação e fiscalização. E que a Europa estava bem preparada para o desafio. Não tomaram em consideração que o sistema é integrado e que os atores europeus, bancos e mercados, estavam mais expostos que nunca às fragilidades e desmandos do capitalismo norte-americano.

Mais de quatro anos passados sobre o verdadeiro início da crise, já podemos concluir que esta pôs sobretudo de manifesto as fragilidades do modelo de integração na Europa e as graves insuficiências das atuais elites políticas em compreender o mundo em que atuam e em responder aos desafios que esse mundo coloca. Durante anos, os mercados financeiros acreditaram no papel integrador da Europa como entidade política e fonte normativa de governação económica. De um dia para o outro, ou quase, os mesmos mercados resolveram atuar, e especular, como se essa entidade de facto não existisse e tivesse perdido toda a capacidade de fiscalizar e regular os princípios que preconiza. E de europeizar a governação económica dos países membros, transformando-os em caso de sucesso de uma união monetária.

Ao contrário, tornaram-se óbvias as debilidades da união monetária sem governo económico e sem política orçamental e fiscal única. É costume dizer que a atitude das instituições europeias e das suas elites políticas é reativa e essa insuficiência tem sido manifesta durante a crise atual. As decisões políticas para resolver o caso grego têm sido tardias e fora da realidade. O curto prazo em que sobretudo a Grécia e Portugal vão ter que regularizar as suas contas exige políticas de austeridade que provocam mais recessão e deixam os mercados cada vez mais céticos quanto à evolução de curto e médio prazo destes países. Com o objetivo central de punir a Grécia pelos desmandos financeiros, a Europa acabou por criar uma verdadeira armadilha da dívida a que também está a condenar Portugal, a saber, uma política de austeridade que provoca empobrecimento, que torna mais difícil o cumprimento dos compromissos assumidos, que, por sua vez, exige mais austeridade, que, por sua vez, gera mais empobrecimento, que, por sua vez,…

Por: Marcos Farias Ferreira

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