Porque é que “eles” não mudam e temos de ser nós a mudar?
“Eles” são os brasileiros, considerados os grandes beneficiários do acordo. No entanto “eles” são 150 milhões e “nós” 15 vezes menos. Os brasileiros mudam apenas 0,5% das palavras e nós cerca de 1,4%. No entanto, o grande espírito do acordo é aproximar a grafia da pronúncia e tornar assim mais fácil a aprendizagem da grafia às crianças. Ora, temos de confessar, a grafia brasileira é mais próxima do som das palavras, nomeadamente na eliminação das consoantes mudas (ato, redacão, batismo). Por princípio terão os europeus superioridade moral?
Passaremos a escrever fato em vez de facto?
Não, a grande regra é escrevermos como pronunciamos. Escreveremos portanto optimizar ou otimizar, egípcio mas Egito, facto em Portugal, fato no Brasil.
Fazia alguma falta este Acordo?
Ou sim ou sopas. Se queremos que a língua portuguesa seja apenas só uma e não se dê uma deriva que contaminará os PALOP, temos de aceitar regras de escrita comum que apresentem a língua como uma única língua nos areópagos internacionais e no mercado internacional de conteúdos. Se preferirmos que cada um tenha a sua língua e que o “brasileiro” pode muito bem ser uma língua à parte, então não duvidemos que o brasileiro se vai impor e que o português estiolará. É pois um objetivo político de projeção de uma língua unificada no mundo que está por detrás deste acordo e que é a sua grande força.
Há alguma lógica neste acordo?
A simplificação é uma das tónicas do Acordo em todas as suas transformações. Sendo na sua maioria transformações simples, as regras agora apertadas do uso do hífen serão aquelas que mais estranharemos e que nos darão mais luta até nos habituarmos. Porque a situação atual era de uma total anarquia. Fim de semana, estrela do mar, sé catedral eram palavras que uns hifenizavam e outros não. Finalmente há regras que nos farão ter que pensar duas vezes nos próximos tempos.
A permanência da dupla grafia em certas palavras (que rouba alguma lógica ao Acordo) provém da irredutibilidade em certas opções dos dois lados do Atlântico.
Se escrevermos “à antiga” na escola somos punidos?
A ESAA vai iniciar, como as outras escolas, a adoção do Acordo. Até 2014 serão aceites as duas grafias e muitas vezes nos distrairemos até nos fixarmos na nova grafia. Mas o professor não vai retirar pontos se escrevermos com uma das duas grafias possíveis.
Não se está a perder a “raiz cultural” da grafia eliminando a ligação à origem etimológica?
Sim, em parte, mas isso é feito conscientemente e com o fim de uma maior simplificação e unificação. Aliás a tendência das línguas é a escrita fonética e não a tendência etimológica. Basta ver como se escrevia nos séculos XVI a XIX e até rilhamos os dentes. Algumas línguas já fizeram as suas reformas em séculos anteriores, nós atrasámo-nos e agora, em democracia e em ambiente de alfabetização, a disparidade de opiniões é mais visível. Mas imaginam alguém a defender que se volte a escrever fructo, victória e escriptório para aproximação à origem latina?
Ainda há alguma hipótese de voltar atrás?
Será difícil neste momento voltar atrás num acordo com 21 anos, tanto mais que não há um movimento generalizado contra este acordo nem as vozes contra o acordo são mais conceituadas que as que aprovam. Por outro lado, seria uma machadada forte na nossa credibilidade internacional. O mal é que, para além da crise e dos impostos a pagar, apanhar neste momento a aplicação de um Acordo que dá “trabalho” é mesmo mais uma pedra no sapato. Uma espécie de sopa de que não se gosta.
Respostas de Joaquim Igreja,
coordenador do EXPRESSÃO