«Que fazer? Que esperar? Portugal tem atravessado crises igualmente más, mas nelas nunca nos faltaram nem homens de valor e caráter, nem dinheiro ou crédito. Hoje crédito não temos, dinheiro também não – pelo menos o Estado não tem – e homens não os há, ou os raros que há são postos na sombra pela política. De sorte que esta crise me parece a pior… e sem cura».
Eça de Queirós, in “Correspondência”, 1891
Volvidos cento e vinte anos e este pensamento do eterno Eça continua tão atual como então. Não consta que ele fosse um Nostradamus de pacotilha. O que ele fazia era analisar friamente o quotidiano do país e, sem rodeios, emitir opinião. Ora, à época, eram os ingleses que ameaçavam a soberania do Império. Agora a agulha da bússola virou-se para outras partes mas a situação parece semelhante, ainda que no presente os exércitos de armas aperradas tenham sido substituídos pelos exércitos do dinheiro e do poderio económico. Isto sem que estes últimos sejam menos perigosos que os primeiros… À época criou-se uma canção de revolta que viria a alcandorar-se a hino nacional e que mandava “Contra os canhões, marchar, marchar.” E agora?…
Há uma teoria que defende que a história é cíclica e se repete em diferentes períodos. Será?…
Eça chama também à colação os homens que a fazem, a ela, à política. A este propósito não posso deixar de meditar, com a devida vénia, num separador que a vetusta Rádio Altitude pôs no ar. Para quem já o ouviu, a coisa não pode deixar de ser preocupante. De facto, e sem querer abusar em demasia da paciência de quem lê, não resisto a transcrever algumas das declarações do atual primeiro-ministro produzidas não há mais de um século como as de Eça, mas apenas há uns escassos meses.
Começa Passos Coelho (PC – ironias do destino…) por afirmar que «se (…) fosse primeiro-ministro não estávamos hoje de calças na mão a pedir…». Pois não, meu caro PC, agora não só estamos de calças na mão como estamos já sem camisa e mesmo os sapatos, esses estão de solas rotas e chapéu é coisa caída em desuso…
Mas, continuemos com as assumidamente convictas declarações de PC: «Acho que o Estado deve dar o exemplo, portanto nós não devemos aumentar os impostos». Caro PC, importa-se de repetir?…
PC, à época líder da oposição, zurzia Sócrates por este acusar o seu partido, o PSD, de querer acabar com o décimo terceiro mês ao que replicava que «… isso é um disparate». Tinha razão PC: de facto não acabou só com o décimo terceiro mês…
A pérola guardou-a PC para o fim quando, seráfico, afirmou que «… nós não olhamos para as classes acima dos mil euros de rendimento dizendo: aqui estão os ricos de Portugal!… Que paguem a crise». Ouvi bem ou terei que a ir a um especialista que me faça uma limpeza de ouvidos?…
E, para o caso dos portugueses, eternos desconfiados, estarem de pé atrás, PC faz questão de, peremptório, frisar que «… necessitamos de valorizar cada vez mais a palavra para que, quando ela é proferida, possamos acreditar nela». Caro PC, mande gravar um CD só com esta frase cem vezes repetida para ouvir nas suas deslocações ou, até, enquanto dorme… É que, diz-se, uma mentira, se muito repetida, passa a ser verdade…
E não me venham tentar convencer que a culpa, eterna moça por casar, é do anterior governo porque, por essa ordem de ideias ela, a culpa, ainda irá ser atribuída a um tal Henrique que, atravessando os Pirenéus, conheceu uma tal Teresa e, depois de algumas batalhas de alcova, ambos geraram um tal Afonso…
Obviamente eu não votei neste PC e regozijo-me com isso. Portanto, não faço parte daqueles a quem o título deste escrito se aplica. Ora como não votei, apetece perguntar, adaptando a célebre frase de Scolari:
– E o néscio sou eu, né?!!!…
PS: Apenas um pedido de desculpas ao outro PC, o partido de esquerda, pelo uso repetido da sua sigla.
Por: Norberto Gonçalves