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Insinceramente

«Onde o Santo punha o pé / nasciam rosas / e o povo lamentava

que não fizesse o mesmo com batatas»

(Joaquim Namorado)

Fui companheiro de café, partilhámos cumplicidades políticas, foi meu explicador de matemática, com pouco sucesso diga-se de passagem, deu-me a conhecer José Mário Branco e Luis Cília quando os que mandavam não queriam que as pessoas os conhecessem, foi um militante de causas na defesa da liberdade e da sociedade solidária, figura de relevo do néo-realismo, portador de palavras que eram de sonho, afeto e luta simultaneamente. Joaquim Namorado, um homem que só no ocaso da vida teve direito ao lugar de catedrático que o “Estado Novo” do “velho” usurpou de forma soez, obrigando-o a recorrer durante décadas ao expediente das explicações, intervalando com umas estadias pelos calabouços da PIDE.

Alentejano de gema, resistiu sem vacilar e sem alterar o seu compromisso político que pela relevância do seu percurso cultural na “Vértice”, e em associações de carácter cultural na Figueira da Foz, promoveu o seu município nos anos 80 um concurso literário com o seu nome, atribuindo um prémio pecuniário irrisório perante a dimensão do homenageado e até premiados. Neste século um arrivista da política, que de “namorado” só se terá reconhecido no seu perfil narcísico quando desfolha a “Caras” ou revistas do tipo, decidiu pura e simplesmente acabar com o referido prémio. Pedro Santana Lopes, que até já foi primeiro ministro de Portugal (!!!) substituiu “Prémio Joaquim Namorado” por foguetório para animar a populaça a banhos na Figueira da Foz. A quem colocou Chopin a tocar violino não se podia exigir mais!

Somerseth Maugham gostava de dizer que um dos aborrecimentos da vida é ser mais fácil abandonar os bons hábitos que os maus. A grande qualidade contemporânea da maioria da classe política que vai polvilhando a administração local e central é a sua falta total e absoluta de sinceridade. Maus hábitos começam a transformar-se cada vez mais em farsantes e o que acaba por ser ainda mais deprimente é que a maioria das pessoas também acaba farsante porque acredita no que dizem e nunca fazem, argumentando e jurando a pés juntos que não acreditam neles. Como dizia outro farsante, Oscar Wilde, «um pouco de sinceridade é uma coisa perigosa, e muita sinceridade é absolutamente fatal». É isso!

Contudo, não se deve confundir classe política com a política, ou com a discussão política e as ideologias, por mais pueris ou idealistas que pareçam. Voltou a ouvir-se insistentemente os velhos clichés de outros tempos em «que a minha política é o trabalho», «os políticos são todos uma merda» ou «a política não dá pão a ninguém», etc. A realidade é que há politiqueiros que se fazem na politiquice, ganham o pão e querem que as pessoas achem que sem eles a terra não gira e o sol nunca aparece! Foi essa retórica, ou parecida, que fez florescer as ditaduras e democracias travestidas de conceitos neoliberais, por isso olho sempre com reserva esse léxico. A desilusão acumula-se quando participo em sessões ou jantares de cariz partidário e ouço a maior parte dos intervenientes, onde faltam ideias e sobra cada vez mais intriga pessoal sobre o desmando de certos mandos.

Jorge de Sena, na sua angústia perpétua, na longa distância do exílio onde os tiranetes parecidos com alguns que por aí andam, o colocaram disse: «O nosso mal, entre nós, não é sabermos pouco; é estarmos todos convencidos de que sabemos muito. Não é sermos pouco inteligentes; é andarmos convencidos que o somos muito».

Por: Fernando Pereira

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