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A criminosa destruição do SNS

Qualquer português razoavelmente informado saberá que, apesar das suas debilidades, das listas de espera em algumas especialidades e de uma política do medicamento que promove o desperdício, Portugal tem um bom Serviço Nacional de Saúde. Pode mesmo dizer-se que foi, no que toca aos serviços públicos, o mais bem sucedido empreendimento da nossa democracia. E para esse resultado terá contribuindo a universiladade da prestação de serviços de saúde públicos.

Temos, no entanto, assistido à sua destruição nos últimos anos com o objetivo de canalizar parte da população para a medicina privada. Quando o Estado faz, para os seus funcionários, acordos com hospitais privados, quando é o próprio banco público a deter um hospital privado, quando se aceita que estas unidades hospitalares usem os hospitais públicos como recurso para tudo o que lhes possa dar prejuízo, está, indiretamente, a promover-se a medicina privada. É interessante, aliás, que os que têm a irracionalidade da gestão de recursos por parte do Estado sempre na boca se esqueçam deste pequeno pormenor: 43 por cento do orçamento do SNS vai para operadores privados. Ou seja, o setor privado é largamente financiado por dinheiros públicos. Dinheiro que depois, como é natural, usa para ficar com os melhores recursos humanos.

Junta-se a tudo isto os cortes cegos no SNS de que o último exemplo é a redução em 50 por cento dos incentivos para a recolha de órgãos para transplantes, medida que poderá ser paga em vidas. O resultado mais imediato da sangria está à vista: incapaz de pagar salários concorrenciais aos médicos, os melhores fogem para a medicina privada. Durante muitos anos as pessoas apenas recorriam à medicina privada por uma questão conforto. Mas não faltará muito para que quem queira um tratamento de qualidade tenha mesmo de se endividar. O SNS ficará para os pobres e os indigentes, prestando maus serviços a quem não tenha alternativa. E aí, uma das poucas áreas onde conseguimos garantir alguma igualdade social – nos indicadores de saúde – passará a ser aquela onde a desigualdade de condições mais se fará sentir.

Não vou estar com meias palavras: por lidar com o que de mais elementar existe nas nossas vidas, a medicina privada deve ter um papel estritamente complementar ao SNS público. Porque o Estado não tem como concorrer com o setor privado sem esvaziar os cofres públicos (os privados ficam com quem tem recursos financeiros, podendo pagar mais aos melhores profissionais), este deve ser fortemente regulado e condicionado. Dirão: onde fica a liberdade do mercado? A minha resposta é só esta: o direito à vida está à frente dela. E todos sabemos, através, por exemplo, da experiência dos Estados Unidos – com indicadores de saúde que se aproximam de alguns países do terceiro mundo – até onde nos leva o domínio do lucro sobre as políticas públicas de saúde.

Por: Daniel Oliveira

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