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Bons ventos de León

Tresler

“De Espanha chegam bons ventos”

(provérbio adaptado)

1.Leão (León) é uma cidade (espanhola). Ao contrário do que o seu nome faz imaginar, não é dedicada ao rei da selva ou ao que este animal simboliza de força e valentia para a afirmação de um país ou de uma cidade. O seu nome aponta antes para a 7ª Legio (Legião) romana, que no ano 68 d. C. ali estacionou, gostou do local e ficou. Não é uma das cidades mais badaladas de Espanha, mas tem dentro de si ingredientes suficientes para encantar o visitante: três jóias do património construído (Catedral, Hospital /Pousada de S. Marcos e Colegiada de S. Isidoro); um rio e uma zona de parques adjacente; uma vida cultural que se centrou durante séculos à volta da velha Universidade de León e da Colegiada de S. Isidoro; um centro histórico bem conservado e atraente; e ser capital com uma história de mais de mil anos. Recentemente (2010) comemoraram-se os 1100 anos do Reino de Leão, que durante mais de três séculos foi coexistindo com as Astúrias, Aragão, Portugal e Castela, acabando por ser absorvido por este último. Na História do reino de Leão, predominam, para além das lutas de poder com o muçulmano, as guerras civis e com os reinos vizinhos, sendo Leão um reino olhado com cobiça pelos vizinhos de Castela, Astúrias e Aragão e às vezes predisposto a acordos ou tréguas com os muçulmanos, para lá do que seria esperável.

2.Ao percorrer as ruas do centro histórico ou ao visitar as magníficas igrejas ou casas apalaçadas vêm-me à cabeça as dúvidas do costume. O que fez crescer esta comunidade (de que os vestígios actuais são a prova) não foi só a força do dinheiro e dos bens materiais dos mais privilegiados. Mas também foi. Teria sido a mesma coisa sem a força do conhecimento nas duas instituições de ensino acima referidas? Não, também não. Finalmente nada teria sido igual sem a força braçal do povo que edificou estes monumentos, povo atemorizado pela fome e pela doença, esmagado pela força de um regime fortemente hierarquizado e submetido pela sua religião. E as causas dos reis passavam a ser as dos nobres, as da Igreja (ou vice-versa) e finalmente as que o povo resignado assumia.

Impressiona a cada passo em Espanha o culto do sofrimento nas encenações religiosas da morte de Cristo em celebrações e representações artísticas (como nos enormes andores da Semana Santa, actualmente em exposição na cidade): o sofrimento representado era também o próprio sofrimento do povo, que ali via um consolo para a sua dor (fome e doença). O outro pólo deste culto é o apelo do povo pelo milagre, sugerido numa história, numa revelação, num caso que leva à consagração de um lugar. É o apelo que leva a caminhar pelo caminho de Santiago, a beber a água milagrosa de uma fonte, a trazer para León os restos mortais de S. Isidoro de Sevilha, a edificar capelas em locais ermos ou a dar valor às relíquias dos santos. O milagre era o oxigénio de que o povo precisava – menos do que isso não chegava, já que pedir medidas e soluções não vinha ao caso.

3. Não seria sincero se não confessasse que, ao regressar a Portugal e à Guarda depois de ver León, se fica com um começo de depressão preocupante. Não, não é o fim das férias… Por um lado é a coerência arquitectónica que ali (León) reconhecemos numa transição perfeita entre a cidade velha e nova e que aqui (Guarda) só verificamos entre a ruína do centro histórico e os edifícios aberrantes que nenhum arquitecto conseguiu deter nos anos 60 e 70, uns mais altos, outros mais tortos e feios. Aqui era mais difícil, se isso for consolo – León é plana. (E no entanto a jóia da arquitectura de León, o Hospital de S. Marcos, após longa ruína, esteve mesmo para ser deitada abaixo, já no século XIX. Os homens podem oscilar entre o digno e o louco de um momento para o outro.)

A outra comparação neste regresso é com o turismo, nomeadamente cultural, numa Guarda que, sem invejar e imitar, como devia, outras cidades, não vê surgir ideias novas ou vê as que surgem serem esmagadas pela máquina burocrática do não fazer e do deixar andar. Celebrar edifícios, pessoas e instituições, multiplicar iniciativas vindas de diversos quadrantes, pôr os grupos a criar coisas novas em cada temporada e a mostrar estreias no Verão, apontar ao coração dos emigrantes que enchem as ruas, impulsionar o comércio no centro devem ser alguns dos caminhos. Infelizmente a Guarda quase não existe neste campo, com um verão quase vazio de iniciativas e sem dinâmica ou atractividade, com os dois maiores espaços (Praça Velha e Jardim) vazios de espírito de praça e lugar de encontro. Para além das visitas à Sé e do Festival de Blues, quase nada teve lugar nestes dois meses quentes e quem chegou à Guarda despachou a visita em meio-dia. Em León, só à volta da catedral, movimentam-se os visitantes da catedral (visita gratuita), os visitantes do Museu no seu interior e uma subida íngreme ao coro através de uma estrutura construída para compreender em visita guiada a intervenção actual nos 1.800 m2 de vitrais da igreja. Isto para não falar cá fora das milhentas lojas de produtos locais, de índole religiosa mas não só.

Não havendo fábricas, sendo a agricultura de passatempo ou de quintal, temos mesmo de descobrir se temos na Guarda (como insistimos) potencialidades para o turismo e recursos para conquistarmos quem nos visita e ganharmos dinheiro com isso. Teremos mesmo essas potencialidades? Para já não somos quase nada.

Por: Joaquim Igreja

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