Daqui a algumas semanas, e durante pelo menos três anos, vamos transferir boa parte da nossa soberania para o FMI e para o FEEF. Cavaco Silva vai riscar ainda menos do que agora e Sócrates ou Passos Coelho (não necessariamente por esta ordem) vão ser meros e vigiados executores de ordens dadas de fora. Sim, é humilhante, mas não é, no fundo, o que desejávamos todos? É claro que há coisas que se não podem admitir em público. Não fica bem, a quem já votou no PS ou no PSD, ou em algum dos partidos que já passaram pelo poder, dizer agora que não lhe parece assim tão mal uma solução à belga: mais de um ano sem governo e a vida continua. Ou sugerir entregar a gestão do país a uma empresa, escolhida por concurso público internacional (ideia adiantada por alguém com um grão na asa, numa qualquer quinta-feira à noite).
Tudo isto nasce do secreto desprezo que começamos a ter, e a exteriorizar, em relação a quem dirigido o país. Não somos só nós, por muito que custe a Pacheco Pereira, que acha que a degradação da imagem pública dos políticos assenta numa série de lugares-comuns injustos, disseminados por muita má imprensa. Esta má imprensa tem vindo a ser amplamente corroborada por altos responsáveis da União Europeia e por boa parte dos ministros das finanças dos países que nos vão emprestar (indiretamente) o dinheiro de que precisamos para o Estado poder continuar a funcionar. Só faltou dizerem, e dirigiam-se a Cavaco, Sócrates e Passos Coelho: “Calem essa matraca e entendam-se!” Humilhante.
Não é que nós, os contribuintes, os que vão pagar por tudo isto, possamos sentir-nos muito orgulhosos da nossa própria actuação. Votámos neles, os que nos meteram nisto, e aprendemos a fazer uma coisa que os nossos pais (ou avós) não faziam, que era pedir dinheiro emprestado para comprar as coisas que não queríamos esperar para ter. “Para que queres isto?” “Para ter”. Extraordinário. Comprámos por ano ao estrangeiro mais dez por cento do que aquilo que vendíamos, e a diferença era coberta com a criação de mais dívida. O Estado gastava pelo menos mais três por cento do que aquilo que recebia e cobria a diferença também pedindo emprestado.
E cá estamos, com uma dívida global, dos privados e do Estado, superior a 300% do PIB. A fatura dos últimos vinte anos começa amanhã a ser negociada e já todos perceberam que vai ser muito duro. Todos? Não sei, que Alberto João Jardim já foi avisando que se todos têm de suportar sacrifícios, então também todos têm direito a receber algum do grande empréstimo dos 85.000 milhões de euros que aí vêm. Isto é encarar o mal pelo lado positivo: ainda não começámos a pagar e já vem aí mais dinheiro. Há já de certeza quem ache, no campo dos que dizem “não pagamos”, que se a ideia é mesmo declarar não pagar a dívida, é melhor primeiro receber, e gastar, o resto da massa.
Por: António Ferreira