1. Percebe-se muito bem que são os contribuintes alemães que, em grande medida, estão a financiar a nossa dívida pública. E, ao que tudo indica, irão continuar a fazê-lo por longos anos. Na quinta-feira, Ângela Merckl, em pleno Bundestag, criticou com dureza o chumbo do PEC 4 na Assembleia da República. Ou seja, pôs em causa uma deliberação de um órgão de soberania de um outro Estado. É certo que questionou a oportunidade política daquela, mais do que a sua legitimidade. Mas o problema mantém-se: a chanceler alemã ultrapassou claramente as fronteiras da coexistência e do respeito mútuo entre sujeitos do direito internacional dotados de soberania. Condicionando os mecanismos do debate político de outro estado membro da União e menosprezando a vontade dos representantes do povo português. Perdeu-se a intangibilidade da nossa soberania. Fixem a data.
2. Recentemente, foi perpetrado um ataque contra a comitiva do Benfica que se deslocou a Paços de Ferreira. Para além dos danos no autocarro, o carro de Luís Filipe Vieira foi “abalroado” por um saco de pedras, lançado do único viaduto não vigiado da auto-estrada que liga a “capital do móvel” ao Porto. Daí resultando ferimentos ligeiros no Presidente do SLB. Para além da incidência criminal do acto (Vd. art. 290º, nº 2 do Código Penal), interessa ir mais além e deslindar a estratégia de longo prazo que está por detrás. Ora, o sucesso desportivo do Benfica na época passada provocou muito receio nas hostes portistas. Receio de que 25 anos de medo, intimidação e fraude fossem suplantados pela simples verdade desportiva. Ou seja, ganham os melhores, sem fruta, sem favores e sem tráfico de influências. Esse receio foi rapidamente transformado em pânico. Pois que o retorno do “investimento” feito em duas décadas de impunidade ficaria muito aquém das expectativas. Que maldade! Então o que seria da rede tentacular? O assunto era sério demais para o Papa e seus acólitos! O “sistema” tinha que se manter no activo e apresentar resultados, fosse por que meios fossem. Vai daí, inventou um “Penalti Cup” 2010-2011, que culminou na mui célebre palhaçada de Braga. Paralelamente, alimentou um clima de guerrilha verbal e física, com propósitos claros. Provocar incidentes entre os adeptos e equipas no próximo jogo da Luz. De modo a que o Benfica seja associado à violência e práticas anti-desportivas e veja o seu estádio interditado. Forçando assim a que a meia-final da Taça de Portugal se jogue em campo neutro. Na blogosfera benfiquista e não só, têm-se amontoado sonoras promessas de retaliação. Ora, é fundamental saber responder da melhor maneira: ganhar dentro do campo. Tudo o resto é sucumbir à armadilha montada por quem se sabe. Claro que há muitas razões para a indignação. Mas é nestas alturas que a contenção saberá marcar uma diferença, diria, civilizacional. Ao que parece, em Braga, mas sobretudo no Dragão, quando o speaker apresenta as equipas, refere-se sempre ao Benfica como o “adversário”. O intuito provocatório é óbvio. Mas é importante que os benfiquistas saibam declinar tão amável estatuto. Pois, como já li, é bom acreditar que, «num mundo normal, o “adversário” do Porto só pode referir-se a uma equipa da PJ ou a um colectivo de juízes».
3. Lateja dentro de mim aquela frase: “hoje há muita gente que escreve poemas, mas escasseiam os poetas”. Aparece sempre no meio de um desejo de quietação. De uma responsabilidade que não se pode descartar. De uma oportunidade que a grandeza concede à dúvida. Mas o que estou a dizer? Será assim tão certa a rarefacção? Haverá uma ordem directamente proporcional nesta fatalidade? Talvez. A dissolução sem medida, ou a clausura ardente não é para todos. Mas não é preciso exagerar. Os poemas desses poetas que não dispensam o estilo ou a feroz candura, como que inoculam uma espécie de dislexia nos seus hospedeiros. Muito tempo e nenhuma pressa. Fazem devorar a realidade mais depressa do que esta se consegue regenerar. Abrem brechas, túneis e alçapões. Onde a luz nunca se esconde. Os tais poemas desses tais poetas nunca estão no mesmo local. São poemas portáteis, negociados entre poetas nómadas. A impiedade é a sua arma de sobrevivência. O seu recesso amoroso. A sua moeda de troca. Mas como chegámos aqui? Amputada do seu berçário imemorial, a cosmogonia, a poesia banalizou-se. Sucumbiu à vertigem da individuação massificada. Abandonou a contenção. Deixou de ter um crivo a separar a escória do minério. Passou a ter boas maneiras. Longe, muito longe, a monitorização do apelo visceral. Adquiriu propriedades ansiolíticas ou euforizantes, para escravos e hibernantes. E o que fazem os escrevinhadores de poemas à poesia? Epitáfios bem intencionados, nada mais. Refinados ou pré-lavados produtos de ócio, da venalidade, da desatenção. Anseios de reconhecimento e, não raras vezes, de simples comiseração.
Por: António Godinho Gil *
* O autor escreve usando a antiga ortografia