Apesar da forte contestação, a introdução de portagens na A23 e A25 vai ser mesmo uma realidade já a partir do próximo 15 de abril. E nem a atual situação de profunda instabilidade política vai alterar a situação, já que o líder do principal partido da oposição – Pedro Passos Coelho – já fez saber que com ele no Governo a medida é mesmo para manter. Pagando um valor que ronda os oito cêntimos por quilómetro (valor superior ao praticado na A1, a autoestrada de maior utilização do país), os utilizadores mantêm o descontentamento. O desconto de 15 por cento para residentes e as 10 viagens grátis por mês – dentro do concelho da área de residência – não chegam para acalmar os ânimos de todos aqueles que dependem diariamente destes traçados.
«Vamos despedir pessoas e deslocar a nossa atividade para o litoral»
António Ezequiel tem sido um dos empresários da região mais interventivos na luta contra as portagens nas SCUT. Responsável pela empresa de distribuição de produtos alimentares António Ezequiel, Lda. sediada no Tortosendo (Covilhã), considera a medida «bastante penalizadora para toda a região». No caso da sua empresa, conta com 40 viaturas que circulam diariamente na A23 e A25, atravessando os distritos de Castelo Branco, Guarda, Viseu, Leiria, Aveiro, Coimbra e Portalegre, e ainda as zonas de Lisboa, Porto e Algarve. António Ezequiel explica que os empresários da região estão «a fazer tudo para sensibilizar os responsáveis políticos quanto ao impacto desta medida no tecido económico regional, mas a nossa empresa não tem condições para suportar os custos com as portagens e seremos obrigados a despedir pessoas e deslocar a nossa atividade para as zonas do litoral», alerta. «Pagamos portagens ao receber os produtos e para os transportar para todo o país, somos duplamente penalizados», constata, apontando um aumento nos custos da empresa «que rondam os 24 por cento», cerca de 120 mil euros anuais, «que inviabilizam o futuro da empresa», assegura.
«Não temos hipóteses de sobreviver com as portagens»
Também a Contacto, sediada na Guarda, sairá muito afetada pelas portagens. Neste caso, os responsáveis consideram mesmo o fecho das portas. «Temos muitos carros, os nossos trajetos passam todos pela A23 e A25, já não ganhámos dinheiro nos anos de 2009 e 2010 e se tivermos que pagar portagens não teremos hipótese de sobreviver», avisa Olímpio Almeida. O sócio-gerente da empresa de comercialização de bebidas explica que os sete automóveis pesados e 20 ligeiros «não têm alternativa tendo em conta os trajetos efetuados», que percorrem os distritos da Guarda, Castelo Branco, Viseu e Bragança.
«Não é justo o desconto abranger apenas o concelho da área de residência»
Marlene Monteiro vive em Vilar Formoso e trabalha numa empresa da Guarda, percorrendo diariamente cerca de 85 quilómetros. O itinerário atravessa os concelhos de Almeida e Guarda, o que, com a introdução de portagens e das novas regras, equivale a dizer que Marlene Monteiro terá um desconto de 15 por cento no valor a cobrar e 10 viagens grátis por semana apenas em cerca de metade do trajeto, pelo facto destes benefícios só se verificarem no concelho correspondente à respetiva área de residência. «O município de Almeida é até ao Alto do Leomil, ou seja, daí para a frente pago taxa máxima», explica, constatando que «só com as portagens a despesa será, no mínimo, de 150 euros por mês». De resto, diz estranhar que os referidos benefícios se verifiquem «para as pessoas que trabalham e que não trabalham, tanto para quem vem simplesmente passear, como para quem tem que ir para o emprego, não há diferença», contesta. Quando pensa na alternativa da estrada nacional, lembra que se encontra «num estado lastimável» e considera como única solução para este problema a «isenção para as pessoas que vão trabalhar ou um desconto maior e da morada ao local de trabalho, não limitando ao concelho».
«Deixem-nos em paz!»
«É assim que desenvolve a nossa zona?» Orminda Sucena utiliza todos os dias a A23 e vê com preocupação a introdução de portagens num traçado, até aqui, de circulação livre. Residente na Guarda e faz diariamente o percurso até à Covilhã, onde trabalha como diretora do serviço de recursos humanos da unidade hospitalar. Orminda Sucena encara os custos inerentes à introdução de portagens nas SCUT como sendo «insuportáveis» e nem a alternativa da estrada nacional parece viável. «No outro dia experimentei ir por lá e demorei uma hora e meia da Benespera até à Guarda, porque o caminho foi todo “entupido” com camiões», recorda. «Ora, com as portagens, o trânsito nestas vias será caótico», considera. Defendendo que «o interior só se desenvolve se tiver gente que venha de todos os lados», sublinha que a medida a implementar pelo Governo é «desastrosa» para as gentes da região. «Se querem por as pessoas num caos e as famílias a pedir, é por portagens numa zona destas», atira.
«A opção terá de passar por transportes públicos»
Também os estudantes do ensino superior da região – essencialmente Universidade da Beira Interior e institutos politécnico da Guarda, Viseu e Castelo Branco – sairão diretamente afetados pela introdução de portagens nas SCUT. Ricardo Dias, estudante do segundo ano de Gestão na UBI, é um deles. Deslocando-se no carro particular de Ourém – de onde é natural – para a Covilhã – onde estuda –, este jovem percorre semanalmente cerca de 200 quilómetros, itinerário que passará a ser portajado na A23. Apesar de habitualmente transportar consigo mais três colegas, feitas as contas o estudante constata que a cobrança tornará a viagem mais dispendiosa. «Nem que traga o carro com mais três pessoas é uma despesa que será muito relevante, a somar ao aumento do gasóleo», contabiliza. «Passaremos a vir de autocarro ou comboio e uma ou duas vezes de carro, porque vai sair demasiado caro», conclui Ricardo Dias.
«É mais uma facada nas empresas que estão no interior»
A medida anunciada pelo Governo terá também fortes repercussões no setor do transporte de passageiros. No caso da Transdev, «em expressos, vamos ser afetados, aproximadamente, em 400 a 500 euros por dia nos dias da semana e mais do dobro nas sextas e domingos», revela Luís Salvador, que acrescenta que, «num mês não muito forte, isso pode originar um aumento nos custos de, no mínimo, 20 mil euros por mês». Por exemplo, uma viagem da Guarda a Lisboa, ida e volta, terá um custo suplementar de 66 euros só em portagens. Aquele responsável refere ainda que «um bom mês de serviços ocasionais representa um valor muito superior aos tais 20 mil euros, atingindo facilmente o dobro» e lembra que «um aumento de custos tem que ser sempre suportado por um aumento de receitas». De resto, Luís Salvador defende que «não se tem visto a discriminação positiva em relação ao interior de que tanto se fala». «Tudo o que implica um significativo aumento de custos de produção das empresas é, obviamente, grave para as empresas que estão instaladas no interior», considera, acusando os responsáveis locais: «Não vejo quem governa as cidades do interior fazer alguma coisa acerca deste assunto». declara.
Rafael Mangana