Arquivo

PJ investigou 24 casos de escravidão nos últimos cinco anos

O INTERIOR ouviu as histórias de dois homens que aceitaram ir trabalhar para Espanha e acabaram escravizados

Nos últimos cinco anos, a PJ da Guarda registou 24 inquéritos sobre sequestro, tráfico de pessoas e escravidão – o dobro dos casos investigados entre 2000 e 2004 –, dos quais sete deram lugar a propostas de acusação remetidas ao Ministério Público (MP). Ao todo, estiveram envolvidos 25 arguidos e igual número de vítimas naquele período, para além de 10 suspeitos. São sobretudo casos relacionados com a angariação de mão-de-obra na região para trabalhos agrícolas em Espanha: geralmente homens de etnia cigana que prometem salários razoáveis, mas acabam por obrigar as vítimas a trabalhar de sol a sol sem lhes pagar.

Os números, revelados a O INTERIOR pelo coordenador da Judiciária da Guarda, indicam ainda que dos 12 inquéritos contabilizados entre 2000 e 2004 houve cinco que resultaram em acusações. Só este ano já há duas propostas de acusação e ambos os processos dizem respeito a situações ocorridas no país vizinho. Ainda que os dados indiquem ter havido um aumento do número de casos nos últimos cinco anos, Artur Vaz sublinha que «não se pode fazer uma interpretação simplista»: «Muitos dos que foram contabilizados entre 2005 e 2010 reportam-se a factos que ocorreram antes», explica. Daí afirmar que «não se pode dizer que este tipo de crimes tem vindo a aumentar, até porque o número actual de casos é extremamente reduzido».

Segundo este responsável, as vítimas são normalmente homens que se «deixam facilmente enganar» e, normalmente, estão desempregados, têm défice de instrução e fracos laços familiares, sendo que alguns enfrentam problemas com álcool e drogas. As promessas de uma vida melhor a trabalhar em Espanha são suficientes para os convencer: «Estamos perante uma espécie de burla», compara Artur Vaz. É que, além de não serem pagos, estas pessoas acabam geralmente por viver em condições degradantes, dormindo com animais e alimentando-se dos restos de comida dos sequestradores.

«Andavam armados»

«Obrigavam-me a trabalhar horas a fio, dormia num barraco e até comi restos», conta um homem de 44 anos, solteiro, residente na zona de Belmonte, que pede para não ser identificado. Foi explorado numa propriedade agrícola espanhola durante três meses, em 2003. «Tiraram-me os documentos, o telemóvel e andavam armados», conta a vítima, que mora com os pais, já idosos. Em Portugal, os sequestradores, do concelho do Sabugal, prometeram-lhe um salário de 300 euros, mais alimentação e alojamento. Como estava desempregado, situação em que ainda se encontra, aceitou. «Insistiram tanto que acabei por ir», recorda o homem, acrescentando que havia «vários portugueses» a serem explorados como ele, incluindo trabalhadores «levados por outros ciganos». Ao fim de três meses regressou. Porém, não o libertaram logo. Ainda passou mais um mês numa propriedade dos sequestradores, na zona do Sabugal. No entanto, esta não foi a sua única experiência do género.

Noutra ocasião também foi levado para a Espanha contra a sua vontade. «Eram outros ciganos, de Belmonte», assegura. Tudo começou num final de tarde, quando regressava a casa na sua mota. A corrente partiu e teve que parar. Apareceu uma carrinha: «Disseram-me para entrar, para irmos buscar uma corrente nova», lembra. Mas a carrinha só parou do outro lado da fronteira. Regressou um mês depois com os sequestradores, sem um tostão no bolso. Actualmente, confessa que vive «em sobressalto»: «É que os ciganos do Sabugal andam a chatear-me outra vez», revela. Manuel, a residir na zona de Belmonte, de 53 anos, também tem uma má experiência para contar. Este solteiro, de quem se diz na aldeia que tem problemas com o álcool, aceitou «trabalhar na apanha da batata e cebola» durante um mês em Espanha, no ano passado, por intermédio de uma família de etnia cigana que até conhece bem.

«Prometeram-me 800 euros», recorda. Não denunciou o caso às autoridades e nem pondera fazê-lo. «Para quê?», desabafa, dizendo ter receio de represálias. Também ele tem medo de voltar a Espanha: «Os ciganos andam sempre a dizer que me querem lá a trabalhar outra vez. E eu vou adiando a conversa», sublinha.

As vítimas são obrigadas a trabalhar de sol a sol sem receber salário

Comentários dos nossos leitores
Meliza mariliza_c@yahoo.com
Comentário:
Está na moda sair de Portugal. Agora, até o Governo o faz, só que o cidadão não poderá voltar a Portugal por cinco anos… Esse teve sorte, conseguiu voltar. Sei de jovens que nunca mais voltam,,,vivas! Situacão lamentável mesmo essa do desemprego no país e o desespero que entra nas pessoas a confiarem em tudo e todos…
 

PJ investigou 24 casos de escravidão nos
        últimos cinco anos

Sobre o autor

Leave a Reply