Saiu-me o título espontaneamente a rimar com a sílaba “oso” entre o adjectivo e o topónimo. Animado com o propósito de trazer à crónica a desertificação destas terras do interior e, concomitantemente, o fecho das muitas escolas por falta de quem esteja na idade de aprender, ocorreu-me a progenitura do velho relho pároco de Trancoso do séc. XV, o frutuoso com significado de fecundante, fértil. E Trancoso, a sua terra, com significado de abundante em troncos, fecunda de vegetação, em cuja génese brilha o seu quê de maravilha, também fecunda de gerações, nanja a do padre que, só por si, daria para povoar um agrupamento de escolas.
As escolas fecham porque não há crianças, provavelmente também não haverá tentação de deitar ao mundo crianças onde não haja escolas. É um círculo vicioso; ou um círculo viciado, se nos embrenharmos nas catacumbas das decisões da respectiva tutela.
Esta crise de almas em idade escolar, o fecho de mais de 2.700 escolas desde 2005 e o novo mapa de agrupamentos mais reduzido, fez-me lembrar a interrogação do Presidente da República, Professor Dr. Cavaco Silva, em Gouveia, a 25 de Novembro de 2007: “Por que é que nascem tão poucas crianças? O que é preciso fazer para que nasçam mais crianças em Portugal? Eu não acredito que tenha desaparecido nos portugueses o entusiasmo por trazer novas vidas ao Mundo”.
Após a publicação do livro “O Padre Costa de Trancoso”, recebi o pedido de duas dezenas de exemplares por parte de um administrador principal da UE, o qual destinava um exemplar para o respectivo presidente, Dr. Durão Barroso. Na troca de correio electrónico, fiquei a saber que relativamente a 2006, a taxa de natalidade portuguesa seria de 1,35 filhos por mulher (a mais baixa taxa nos últimos 10 anos), sendo necessária a aceleração de 55,56% para que o índice de natalidade atinja o valor ideal de 2 filhos por cada mulher portuguesa.
Ora, voltamos assim ao sedutor pároco de Trancoso, cuja jucundidade praticou em 53 mulheres, nas quais fez conceber 299 filhos! Ora, fazendo as contas, no caso do pároco frutuoso, a fecundidade por mulher é de 5,64 rebentos, muito acima de qualquer média mundial e desmesuradamente superior à média mundial dos homens procriadores, mesmo dos mais frenéticos sheiks das arábias.
Não é que, convenhamos, depois de Francisco da Costa, o dito sacerdote de Trancoso, o macho procriador viesse falsificado, atado de pés, escorraçado da libido, e a semente não conseguisse nadar para o óvulo como morteiro a rabiar pelo arraial, ou outro fenómeno que o leva a ser pai muitas e muitas vezes. Não. Será porque o tempo de criar tal geração, mormente numa única companheira, torna-se muito mais problemático, pois não estamos no século XV, o sacerdócio ministra-se com menos prosápia, o pretório público faz-se nos jornais e na televisão, afoita-se a compra dos anti-conceptivos com a mesma facilidade com que se requer o levantamento do dinheiro no multibanco e as bocas custam a sustentar. Seria resolvido o problema dos municípios que vêem encerrar as escolas e lançar-se-ia mão de azados abonos.
Os demógrafos, principalmente os que não vêem lobos pequenos, lançam o alerta, enquanto os estudiosos da matéria (uns e outros, se calha, sem darem o exemplo) apontam as causas no trabalho do casal, ambos ocupados na frenética vida de hoje, no aluvião das viagens e dos prazeres e coisas do arco da velha. Dizem que se encontra solução na maior flexibilidade de horários, licenças de maternidade mais prolongadas, maior apoio financeiro às famílias, discriminação fiscal positiva e política de habitação. Coisas que não existiam no século do Padre Costa, uma vez que, quanto mais filhos, mais braços para o trabalho da casa.
Alguma reserva há quando se aborda o tema do Padre Costa. Dessa reserva não se livrou um excelente documentário da RTPN, em que participei, que foi para o ar a altas horas da madrugada, com dedicação às façanhas do nosso abade, num programa que, genérica e avisadamente, se chamou “Sete Pecados, Sete Virtudes”.
A fama e a escama do Padre Costa de Trancoso – tirante a do meu livro que apenas vai numa modesta terceira edição – a ser vera e crua como o quer fazer crer a sentença amplamente divulgada na Internet, com perdão de D. João II, deixa-nos perplexos e capazes de tecer duas aguilhadas vernáculas que a crónica não se atreve a imprimir. Não se trata de um herói patético, mas de um cativante sacerdote, aquele que nem sequer se desdobrou na literatura de cordel, mas que foi referido no livro “Nós ,os Advogados”, da autoria do Dr. Ary dos Santos, a páginas 152 e 153. Aí se recomenda a leitura da sentença, supostamente arquivada, com o processo apenso, no armário 5, maço 7 do Arquivo Nacional da Torre do Tombo. Procurei esses documentos e, apesar do interesse e da ajuda dos funcionários daquele arquivo na busca de tão estranho caso, nada encontrei.
O Padre Costa não foi um diabo – pois para diabo já o tinham pintado com as pinceladas grotescas de um processo que o condenou à pena capital e de um perdão que o livrou dela. Se não foi santo nem diabo, sem meio termo que o transforme em benigno ou iníquo, é preciso dizer – e eu digo-o – que tendo de ambos a sanha e o cenho, obteve na gesta folclórica a magnitude da masculinidade latina, carregada nas bocas do povo e nas atitudes quase heróicas que lhe valeram a perpetuação do nome e do feito colado à terra onde viveu.
No pélago dos mil e um palpites para o título do meu livro, não tive a felicidade que me ocorreu, repito, aquando do título desta crónica. Teria saltado sobre este – O Frutuoso Padre Costa de Trancoso – como perro a um láparo. De resto, não paga a pena alterá-lo, porque mais cara ficará a mecha que o sebo.
Por: Santos Costa