Em 2009, houve milhares de empresas que fecharam as portas. As que sobreviveram tiveram a sua facturação reduzida em 20% ou mais. Quase 600 mil pessoas estão no desemprego e muitas famílias viram o seu rendimento disponível diminuir significativamente. Há jovens com cursos superiores e mestrado que só conseguem empregos precários, quando conseguem, a receber entre 100 e 500 euros.
Pois perante tudo isto, é agora pedido a todos os contribuintes uma nova dieta fiscal para reequilibrar as finanças públicas. Em contrapartida, o Estado não fará o mesmo esforço. Quando muito, vai tentar não engordar mais, ou seja, tentará conter o crescimento da despesa corrente primária e não contrair novos encargos, suspendendo alguns dos grandes projectos de investimento público. Mas a dieta do Estado será suave e a redução do défice virá sobretudo do ambíguo congelamento salarial dos funcionários públicos, dos cortes no investimento do Estado e de algumas medidas moralizadoras mas que não contam para o défice, como o congelamento dos salários dos administradores e trabalhadores das empresas públicas, algumas das quais, aliás, já disseram que não cumprirão essa directiva.
A verdade é que o grosso do contributo para reduzir o défice do Estado para 2,8% em 2013 virá sobretudo do aumento da carga fiscal sobre a classe média, não através do aumento de impostos directos ou indirectos, mas da redução dos benefícios fiscais em saúde e educação e de outras deduções à colecta. Vai dar ao mesmo. Os que estudaram mais, os que se prepararam melhor para a vida activa, que investiram no futuro, são os que serão de novo penalizados. O trabalho, a competência, o talento estão a ser convidados a sair do país.
O Governo reconhece aliás isso, mesmo que moderadamente, ao admitir que os contributos para reduzir o défice virão em 51% do aumento da receita (!), 22% das despesas com pessoal, 11% das despesas sociais, 7% das despesas de capital e 9% de outras despesas. O problema é que nestas matérias o aumento da receita é sempre para ficar; a contenção da despesa é sempre provisória e sobe de novo logo que há um pequeno alívio fiscal.
Depois, apertado pelas dificuldades, o Governo lança a mão aos anéis e trata de os vender. O pequeno problema é que a decisão tem que ver com a situação aflitiva em que estamos e não com convicções ou um programa com coerência mínima. Ora há aspectos que talvez valham uma boa discussão. O Estado não deve ser o dono da rede infra-estrutural de energia? O Estado não deve manter uma posição na petrolífera portuguesa? E os correios, podem ser privatizados sem problema? E porque se privatiza tudo mas o sector dos transportes públicos, aquele de onde vem a esmagadora maioria das responsabilidades do Estado (mais de 22 mil milhões), passa sem um programa que o reduza drasticamente?
O PEC foi saudado pela OCDE, provavelmente receberá o ámen da Comissão Europeia e deve ser apoiado internamente. Mas é sobretudo um antibiótico para combater a grave doença de que padecemos. Não só não se atacam os desequilíbrios estruturais do Estado, como não existem nenhumas medidas para apoiar o crescimento económico. E esse é um erro fatal que, se não for corrigido, torna inútil o enorme esforço fiscal que vamos suportar.
O futuro governador
Não quero acreditar que o Governo queria nomear um ex-ministro para governador do Banco de Portugal. Não quero acreditar que o Presidente da República teve de intervir para a ideia ser reavaliada. Não quero acreditar que agora o Governo quer colocar o ex-ministro no banco público e o presidente do banco público como governador, para assim calar a oposição e o Presidente. Não quero acreditar que o Governo não perceba que está a brincar com o fogo. Não quero acreditar que o Governo não saiba que os mercados internacionais têm os olhos postos em nós e que a nossa credibilidade externa passa pelo Programa de Estabilidade e Crescimento, mas também pela autoridade e independência de quem for nomeado para futuro governador do Banco de Portugal. Não quero acreditar que o Governo não saiba que há pessoas que cumprem estas funções muito melhor do que outras. Exemplos: Artur Santos Silva, Miguel Cadilhe, Vítor Bento, António Borges, Sérgio Rebelo, João Salgueiro. Bem sei que o Governo não gosta de algumas destas pessoas. Não gosta sobretudo da sua independência. Mas é bom que perceba o que os observadores externos esperam: um governador independente e prestigiado à frente do Banco de Portugal.
Por: Nicolau Santos