Estamos agora a descobrir a forma como fomos governados nos últimos anos. Pensávamos que ministros e secretários de estado, apoiados por deputados, presidentes de câmara e da República, e da nossa Junta de Freguesia, sabiam o que estavam a fazer. Afinal, sabiam tanto quanto nós. Geriam o país como nós geríamos as nossas casas: contraindo dívidas. Nós, quando se acabava o salário, por volta do dia 20, ou antes, ou no mês anterior, passávamos a utilizar o cartão de crédito; quando este “enchia o plafond”, arranjávamos outro, e outro. O Estado não usa cartões de crédito, embora os distribua sem parcimónia pelos gestores públicos, mas tem outros recursos: títulos do tesouro e empréstimos contraídos junto da banca internacional (antigamente havia ainda a emissão de moeda, mas agora o BCE está demasiado distante). A coisa funciona como em nossas casas, mas com ainda maior descaramento: ganhamos cem, mas precisamos de gastar cento e vinte. A solução é gastarmos os nossos cem e pedir emprestados mais vinte, com, por exemplo, cinco por cento de juros. Ao fim de um ano, continuamos a ganhar cem, ou menos, mas gastamos cento e trinta (a despesa, que entretanto cresceu, mais os juros do que pedimos emprestado). Não há rendimento para pagar tudo isto? Não faz mal, pedimos mais dinheiro emprestado e, para o ano, mais, e depois mais, e mais.
Chegados aqui, se o problema fosse apenas em nossas casas, e acaba por se manifestar sempre em nossas casas, queiramos ou não, descobriríamos que algo teria urgentemente de mudar. Ou ganhávamos mais dinheiro, trabalhando mais e melhor, ou gastávamos menos. Ou as duas coisas. Estando em jogo o Estado, a coisa muda de figura. O Estado é tão impessoal e representa tanta gente que é como se não representasse ninguém e é por isso que, sendo os seus recursos de todos não custam aparentemente nada a cada um de nós e todos nos sentimos no direito de lhe exigir cada vez mais e nunca na obrigação de contribuir em conformidade. E, pior ainda, parece não nos incomodar o facto de que as nossas exigências (mais saúde, mais educação, mais segurança, menos impostos) só são possíveis com mais endividamento. É como se, em nossas casas, cedêssemos às exigências dos nossos filhos e lhes déssemos tudo o que eles exigem pedindo para isso mais dinheiro emprestado – o suficiente para as exigências deles, o indispensável para a casa e os juros dos empréstimos anteriores.
Dirão que já toda a gente percebeu isto, mas não é verdade. O Bloco de Esquerda e o PCP ainda estão longe, e os pilotos da TAP, então, nem fazem ideia nem querem fazer. O Governo Regional da Madeira, os funcionários públicos e todos os que exigem mais despesa e menos encargos não percebem. Ou então percebem mas não se importam. É como se dissessem: “eu quero ganhar mais e pagar menos impostos, mesmo que para isso tenhas tu de ganhar menos e pagar mais impostos”. É como se quisessem viver melhor à custa dos outros. Não é roubar, embora haja violência, mas o assunto merecia ser melhor discutido. A não ser que se seja militante do PSD, se aproximem as eleições e a direcção do Partido entenda ser boa ideia exigir mais despesa do governo, para o embaraçar ainda mais. Se for este o caso, é melhor não discordar e meter a viola no saco, que sobre o Estado, a Nação, a Justiça, a Razão, paira soberano o Partido – e este proverá pelos seus.
Por: António Ferreira