Marcelo Fernandes, que, em finais de 2008, esfaqueou a mulher até à morte na Guarda, foi condenado a 19 anos de prisão e ao pagamento de uma indemnização de 205 mil euros. Na leitura da sentença, na passada quinta-feira, o Tribunal da Guarda não deu como provado o crime de violência doméstica.
O presidente do colectivo, que integrou quatro juradas, sublinhou que «não conseguimos dar como provado rigorosamente nenhum dos actos que poderiam configurar violência doméstica». No entanto, o juiz, José Manuel, frisou que as testemunhas deram «mostras de um relacionamento não muito normal», exemplificando com o facto das pessoas terem conhecimento da data em que Sandra engravidou «e não de quando a filha mais nova nasceu». Quanto ao principal crime de que o arguido era acusado, o magistrado admitiu não saber «o que dizer perante um homicídio com 17 facadas», um «acto excessivo», reforçou. «Ficámos sem saber os motivos. A atitude de quem mata é bastante mais agressiva do que o normal. Por isso é qualificado». Em relação aos pedidos de indemnização, cujo valor pedido pela acusação era de cerca de 500 mil euros, o juiz indicou que «tivemos muitas dificuldades, porque são pouco explicáveis», daí que se tenham decidido por «julgar parcialmente» o pedido.
Deste modo, o arguido foi condenado ao pagamento de 40 mil euros a cada uma das duas filhas do casal, mais 125 mil euros pelo direito à vida. Antes de revelar a pena pelo homicídio, o juiz deu um “conselho” a Marcelo Fernandes: «Devia começar por assumir de vez as suas responsabilidades enquanto educando» das filhas, afirmou, para de seguida ditar «tenha paciência, mas são 19 anos». Uma sentença acordada por «todos quantos compuseram este júri», salientou. No final do julgamento, alguns dos familiares da vítima não esconderam o seu descontentamento com a sentença, que consideraram leve, criticando ainda o facto do crime de violência doméstica não ter sido dado como provado. Também o advogado de acusação esperava uma «pena bem superior a esta, muito próxima da pena máxima» e que «se exigia mais, porque a crueldade foi muito grande». Assumindo que a sentença «não nos deixa totalmente insatisfeitos», Lázaro Ferreira realçou que «o importante foi que se provou que a vítima era uma pessoa séria, honesta, correcta e leal, que nunca traiu o marido e que nunca o tentou matar».
Em relação ao crime de violência doméstica, o advogado bracarense afirmou que «os pressupostos verificaram-se», tendo havido «testemunhas muito idóneas e muito claras de que houve, de facto, violência doméstica». E salientou que a morte da Sandra era «inevitável» e que o arguido padece de «síndromes psíquicos muito graves», apelidando-o mesmo de «psicopata». Anunciou ainda que já está a decorrer uma acção judicial para a inibição do poder paternal, a que se seguirá outra de deserdação, admitindo ser «uma satisfação» que as filhas sejam maiores de idade quando o arguido cumprir a pena. O advogado salientou que não pode recorrer da sentença atribuída, em virtude de ser um crime público, manifestando esperança de que o Ministério Público o faça. Por seu turno, o advogado de defesa, que tinha defendido a tese de homicídio privilegiado, punido de um a cinco anos de prisão, indicou que vai «estudar o assunto com calma e ver se merece, ou não, uma reflexão passível de recurso». José Martins Igreja mostrou-se satisfeito por a violência doméstica não ter sido provada: «A prova resultou claramente de que nunca houve qualquer razão para provar qualquer vida difícil, de qualquer mau trato ou de domínio de um sobre outro», reforçou. O advogado da Guarda enalteceu ainda que «a vida do arguido será exclusivamente para ver se consegue ajudar as filhas na sua formação», sendo que «conseguir também recuperá-las ao nível do amor, do carinho ou, pelo menos, das relações de amizade mínimas é fundamental».
Ricardo Cordeiro