Cerca de 30 por cento dos estudantes de Medicina da Universidade da Beira Interior (UBI) consultou, pelo menos uma vez, um profissional por sintomas relacionados com a saúde mental, indica uma investigação realizada o ano passado na Faculdade de Ciências da Saúde, no âmbito de uma tese de mestrado. No estudo, da autoria de Alice Roberto, baseado em inquéritos, 10 por cento dos alunos admitiu ter-se automedicado com tranquilizantes ou sedativos dias antes de ter respondido, enquanto que igual percentagem revelou ter tido ideias suicidas.
A dissertação, intitulada “A Saúde Mental dos Estudantes de Medicina da Universidade da Beira Interior”, constitui a primeira da instituição nesta área e arrecadou uma nota de 20 valores, tendo ainda valido à autora o prémio de melhor comunicação livre no II Congresso Nacional de Psiquiatria e Medicina Geral e Familiar, em Lisboa. Este estudo foi ainda um dos vários apresentados no V Simposium de Gestão e Liderança em Saúde da UBI, na passada sexta-feira. Do universo de 551 estudantes do curso, 272 responderam (49,4 por cento) ao inquérito, disponibilizado “on-line” entre Fevereiro e Março. O objectivo foi investigar as relações entre bem-estar/”distress” psicológico com os diferentes anos do curso, consumo de substâncias psicoactivas e acompanhamento psicológico por profissional de saúde.
Relativamente às substâncias psicoactivas, o estudo quis saber durante quantos dias os estudantes se automedicaram para combater problemas como a ansiedade ou a depressão no mês anterior. Dos 11 por cento, a maioria (seis por cento) diz tê-lo feito entre um a cinco dias, enquanto quatro por cento admitiu ter consumido tranquilizantes ou sedativos mais de 20 dias. Do total de inquiridos, seis por cento respondeu estar a ser acompanhado por um profissional de saúde da área, sendo que são todos do sexo feminino. No mesmo período, 63 por cento bebeu álcool, ainda que a maioria (53 por cento) apenas entre um e cinco dias, só seis consumiram cannabis e nenhum recorreu a anfetaminas, cocaína, heroína, cogumelos mágicos ou LSD. Outro dado do estudo é que «existe uma relação directa entre os anos da formação médica e a saúde mental», destaca Alice Roberto, ao constatar que «há uma grande quebra no terceiro ano» do curso.
«Revi-me nestes dados porque o terceiro ano foi realmente, para mim, de grande exigência, com cadeiras em simultâneo e uma grande quantidade de matéria», afirma a jovem médica, actualmente a realizar internato de ano comum no Hospital Garcia de Orta (Almada). Para a autora do estudo, «é preocupante pensarmos que 30 por cento dos futuros médicos já consultou um profissional e, principalmente, que há 10 por cento que se automedica». Alice Roberto também diz ter-se deparado com estas dificuldades durante o período em que estudou na UBI, o que a levou a escolher o tema da saúde mental para a sua tese. «Ao longo dos seis anos, passei por vários estados de espírito e apercebi-me, pelo contacto que tive, que havia muitos colegas com os problemas de que falo na tese», afirma. Na sua dissertação, a autora fala ainda nas altas notas que os alunos têm de conseguir no secundário para ingressar em Medicina e noutros aspectos da vida académica, como a pressão do tempo, os altos níveis de competitividade, o tempo limitado para o lazer e o «medo de falhar». Porém, os alunos não foram questionados sobre as possíveis causas, não tendo o estudo ido além dos números. Daí que espere agora que «outros possam pegar neste trabalho e desenvolvê-lo», por considerar que o que fez constitui uma «pista» para futuras investigações.