A Delphi despediu mais trabalhadores do que o previsto. Houve queixas e lamentos. Houve quem compreendesse e quem achasse ser este mais um exemplo de uma vasta conspiração contra qualquer coisa. Ou então quem visse no sucedido a confirmação das velhas teorias marxistas. Ou ainda quem ficasse feliz com o cumprimento de uma exigência velha como a guerra fria: “Americans, go Home!!” Também houve quem se preocupasse, e foi felizmente a maioria, que 300 postos de trabalho a menos numa terra tão pequena vão fazer muita falta. Perante o sucedido, tenho duas perguntas a fazer: que fizeram os sindicatos, a autarquia e o poder político para evitar isto, para o prevenir, ou para minimizar as consequências? Confrontados com o resultado obtido, que acham hoje das formas de luta e protesto, ou das estratégias de negociação?
Há vários problemas para os quais a esquerda portuguesa não tem resposta. Um deles, talvez aquele com maiores consequências para todos, é o problema constituído pela existência de empresas. Numa economia totalmente planificada, as empresas funcionam como previsto e não oferecem grandes surpresas. Na nossa economia globalizada, são totalmente imprevisíveis. Dependem do valor do dólar, ou do euro, ou do petróleo, ou das taxas de juros fixadas pelo Banco Central Europeu. Dependem ainda do valor das matérias primas, da pujança das economias de que dependemos, das nossas poupanças ou os nossos exageros de consumo, da política fiscal do governo, da sua boa, mesmo que imerecida, ou da sua má, mesmo que injusta, reputação.
Esse problema não seria demasiado grande se não houvesse tantas empresas e se delas não dependessem tantos postos de trabalho. Mas dependem, e dependem decisivamente, que é dessas empresas e dos seus trabalhadores que saem, através de impostos, os recursos suficientes para alimentar sete milhões de dependentes, directos ou indirectos, do Estado!
A coisa agrava-se quando ninguém parece compreender que os empresários, mais do que simples sanguessugas capitalistas, mesmo quando o são mesmo, são também o sustentáculo do nosso modo de vida. É verdade que não o são por um generoso espírito altruísta, que o sistema em que escolhemos viver, se tem laivos de solidariedade, muitas vezes forçada, assenta sobretudo num frágil equilíbrio de muitos egoísmos. Mas é este o sistema em que escolhemos viver e não vale a pena fingir que vivemos noutro. Quando a esquerda e os sindicatos reivindicam aumentos de 4% numa altura em que os salários deveriam diminuir, ou pelo menos ser congelados, e em que muitas empresas se vêm à beira de fechar, ou fecham mesmo, por não suportarem os actuais custos, ou em que o próprio Estado não encontra mais solução para os seus próprios problemas, temos de concluir que há dois mundos: o que existe mesmo e o das utopias do século XIX, e que estes dois mundos não são compatíveis entre si.
Por: António Ferreira