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Dependência, Independência e Auto estima

Sinais do Tempo

Por vezes precisamos que os outros nos alertem para a realidade, de tão evidente e próxima, que nos turva a vista. Felizmente há ainda em Portugal, meia dúzia de pensadores lúcidos que nos vão alertando. Imediatamente os pensadores iluminados, donos de toda a verdade e carregados de auto-estima, consideram-nos “velhos do Restelo” ou velhos decrépitos, cujo papel principal é a maledicência gratuita.

Por muito que adocem o xarope, ele continua amargo e a verdade é só uma: estamos de tanga e não se adivinha no horizonte próximo uma saída brilhante.

A triste realidade económica portuguesa está desde sempre intimamente ligada à alma lusitana, não é apenas de agora, sempre o foi.

Sempre nos venderam a ideia de que já fomos bons ou mesmo muito bons. A História de Portugal que nos foi ensinada estava cheia de heróis e heroínas. Foram seres que se esfumaram com o nevoeiro. No presente e passado recente não os vislumbramos e por isso andamos sempre tristes e recalcados. Mas a nossa crise é de sempre. A nossa auto-estima sobe e desce, tal como um carrossel de feira, em função do que os tais iluminados, cujo nariz cresce diariamente, vão propagandeando.

Na realidade quando recebíamos as riquezas do Brasil, África e Índia, deixámos de trabalhar. Abandonámos os meios de produção e passámos a pagar ao estrangeiro o que não produzíamos, que era quase tudo. O país, em expansão por mares nunca dantes navegados, no final estava mais pobre, sem capacidade de investimento e com a agricultura ao abandono.

A história repete-se ciclicamente no nosso país. Deixámo-nos dessas coisas da expansão, mas a nossa dependência é hoje gritante, seja dos franceses, dos chineses ou dos alemães e pasmem-se do ponto de vista económico cada vez mais dominados pelos Quanzas angolanos.

Mas a dependência não é apenas a externa, existe a dependência interna que se acentua em períodos de maior crise, em que é necessário preservar o emprego do próprio e o dos que nos são próximos.

O ideal democrático estatela-se completamente na dependência, na relação com o empregador e agrava-se ainda mais quando ele não existe, ou seja, no desemprego.

O controlo do défice é importante na perspectiva dos governos, sob pena da falência do Estado, mas como diria alguém “há vida para além do défice”, mas a realidade é ainda mais dura pois não só há vida no abstracto como há vidas realmente a viverem no défice do dia a dia. Mas o que nos rouba o Sol da vida e escurece o nosso dia, é quando percebemos que o défice não é apenas económico.

São as Vidas que têm um défice particular para gerir. São as mesmas vidas que sentem que a democracia sucumbiu, que afinal o direito à greve esbarra nas dificuldades económicas e até o direito à indignação se tornou ele próprio indigno ao olhar de alguns. São as vidas que têm dificuldade em tolerar a arrogância, mas aceitam-na. A dependência e a baixa auto-estima apaixonam-se e vivem um romance, andando por aí de mãos dadas e embora do mesmo sexo, elas agora até podem casar.

No dia 1 de Dezembro, gozámos mais um feriado a propósito da comemoração da restauração da independência. Um grupo de conjurados devolveu Portugal aos portugueses. Pois é, foi mesmo a restauração da nossa independência. Desse período resta-nos um feriado, criticado por uns, aplaudido por outros, mesmo que uns e outros lhe desconheçam o motivo. Trezentos e sessenta anos depois, somos republicanos, laicos, dependemos economicamente dos outros países europeus, a nossa produção agrícola depende dos interesses franceses e os nossos recursos próprios, além de algumas mentes brilhantes (umas para o bem outras para o mal), limitam-se ao turismo. Dirão os que possuem o dom de fazer subir a auto-estima, que no mundo globalizado é assim, não há independentes. Aliás os agentes económicos independentes terão que desaparecer igualmente às mãos de uma qualquer entidade reguladora, braço direito de um qualquer governo, para dar lugar a um grupo empresarial (multinacional de preferência).

Lembro-me de um homem que viveu independente quase noventa anos, o que lhe permitiu nascer na monarquia, atravessar o estado novo e morrer em plena democracia. Falando apenas o português, saltando de carruagem em carruagem, de boleia em boleia, de café em café, de estádio de futebol em estádio de futebol, de comício em comício, de país em país, registando as imagens que lhe apetecia na “Mamya” ou na “Konica”, vendendo-as depois ao jornal que ele escolhia. Tanto almoçava num dia com o poder como jantava com a oposição. Na carteira trazia uma foto com quatro burros presos a uma árvore e dizia em tom jocoso, “é a imagem da democracia e dos políticos, discutem muito mas na hora da verdade estão todos presos à mesma árvore”. Teve uma vida longa e os olhos sempre espelharam felicidade. Só a independência e a liberdade lhe permitiram ter uma vida “Formidável”.

A independência é cada vez mais uma utopia, então porque comemorá-la com um feriado. Melhor será fingir que não houve conjurados ou restauração em 1 de Dezembro de 1640. Assim evitamos comparações com o passado e melhoramos a nossa auto-estima embora com a bitola por baixo, mas sempre vamos sobrevivendo.

A auto-estima não melhora só porque os políticos se lembram que existe e resolvem abordar o tema para nos fazer crer que afinal eles cumpriram, os do costume é que vêem tudo pela face mais oculta e negra…

Por: João Santiago Correia

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