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A Face Oculta ( II )

Era a época. Apareceu nos grandes cartazes, com olhar em absoluto desconfiado; e não era necessário ser-se nada perspicaz para se concluir que a avassaladora perversão era (é) o seu fundo ético e moral. Portanto, um mundo interior inconfessável, próprio de quem nada sabe, nada compreende, nada ama, vive de expedientes. O correlato deste desvairo é o desânimo; e como tive acesso a manuscrito seu, a Grafologia confirmou-o cabalmente. Quanto mais prontamente se der conta de que o tudo para a frente (que foi, de há anos a esta parte, o seu modo de estar, a sua prática) só pode ter as mais fúnebres consequências, melhor será. Como nada sabe, nada compreende, nada ama, assim, está bem de ver, nada pode fazer. (Lembrei-me de Paracelso). Nunca obteve nenhum diploma até tornar-se motivo de chacota generalizada por parte de todos os justos; e, todavia, passa por ser um protagonista (para alguns…).

Sim, passa por ser. Esta imposição da ilusão é, bem entendido, subsidiária de apoios – que não lhe faltam. O videirinho, o “filósofo” (bronco, risível ou embusteiro estamos com uma taxionomia diversificada e ampla, melhor, tétrica), o literato, o guedelhudo de há décadas que é hoje um reaccionário, em muitos casos careca, o “intelectual”, tópico ou lisboeta, tanto dá, o universitário ou artista, vicioso ou não, como ele, o cronista, o radialista e a jornalista, a panóplia é copiosa (passe a tautologia). Para maior desgraça temos um Igreja frouxa que não entende que é necessário falar alto e bom som. A esta, que olhe para Espanha, a ver se arranja tesura! Pois não percebe ela que o Futuro do Tempo é o Espírito e que não apenas o séc. XVIII já lá vai como o que legou, com Hegel, Marx, Comte e sequazes, foi uma monstruosidade de que apenas emanam miasmas?

…A panóplia é completa – mas é apenas numérica. É o reino da quantidade. Mas como, epistemologicamente, quantidade e qualidade não são sinónimos… Sim, os sinais do tempo são a quantidade, o “pensamento gregário”, como, luminosamente diz Juan Manuel de Prada, o que, para o vulgo, esconde a face oculta.

O leitor vai fazer a fineza de treinar-se a captar a face oculta. Ao aprimorar-se e sentir-se cada vez mais apto a identificar o outro, ipso facto identifica-se melhor a si próprio; depois, no momento certo, porque acredita convictamente nos poderes construtivos, porque cultiva bons pensamentos, decide com maior rectidão. Decidindo cada vez melhor para si, decide cada vez melhor para a Grei. Proponho-lhe, desde já, um exercício: o que tem um banho de Filosofia e alguns laivos de cosmopolitismo, com fotografia no jornal, não deixa de ser um refinado tratante por isso. Repare bem! Olha de baixo para cima, aguçado pela sua má-consciência – e inexoravelmente afasta-nos. Quando usa a farronca cobre-se de ridículo. E como me dizia um ex-aluno seu conterrâneo: “Vende o seu peixe”.

Já agora, porque assim o ditam as circunstâncias, a este há que ensinar o que segue. Nem George Steiner, nem John Gray (o filósofo britânico autor de A Morte da Utopia, que não deve confundir-se com o seu homónimo americano que é apresentado como o maior especialista mundial nas relações homem-mulher), nem José Ortega y Gasset, três exemplos apenas, nenhum deles filósofos genuínos, tem um rosto fútil ou ressumando medo. Bem pelo contrário, o que deles promana é firmeza, valentia, circunspecção. O seu rosto diz-nos que são suficientemente penetrantes para saberem que não há quaisquer ilusões com a generalidade do humano – isto para não ser ainda mais cru. No fundo, dizem-nos também, o mundo envolvente é uma mistela que não permite quaisquer ilusões, é uma mistela perante a qual temos que estar bem alerta. Ao estarmos bem alerta, e por ser nosso estrito dever afirmar o bem, escolher os amigos e aqueles com quem há que construir o mundo é o primeiro dos imperativos.

De facto, acreditamos que o mal não tem consistência para se impor e, antes disso, somos tão requintados que construir o sólido bem para nós é, ipso facto, natural obrigação. Uma construção que, acrescente-se, é um corolário da finura na identificação do outro, isto é, o bem é sempre religioso, depurado, profundo, está para além da Literatura (muito da qual é uma mixórdia e os seus autores e cultores, não raro, gente, quando muito, absolutamente especiosa).

Steiner: Hoje vive-se “num dos períodos mais selvagens da História”, em que “os dois grandes geradores de dinheiro são a droga e a pornografia”. “A condição humana tornou-se [é] profundamente problemática” (Viseu, Instituto Piaget, há semanas).

Os verdadeiros filósofos lutam contra o poder falaz – não o servem. Dominam a face oculta das coisas, não são dela autores e actores em hedionda acepção.

Guarda, Dia de Ano Novo, 2010

Por: J. A. Alves Ambrósio

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