Bem sei que sou português, por honra e louvor, apesar de ter pago a nacionalização, pelos serviços prestados a este País. Antes era britânico, antes ainda, Chileno e, por parte dos pais, Espanhol. Com mulher e filhas Britânicas, netos Britânicos e Holandeses, genros Inglês e Neerlandês. Tenho vivido, quarenta dos meus sessenta anos fora da Pátria., Qual? O Chile, evidentemente. Poucos anos morei lá, mas lá ficaram a minha língua, as minhas memórias, a casa dos pais, grande parte da minha família. Família que hoje vai votar para eleger o próximo Presidente do Chile.
Na minha visita ao Chile de Allende, como sabemos, acabei num campo de concentração. Apenas 35 anos depois, me deixaram voltar a entrar.
Quem me dera estar aí, mas esse encarceramento lançou à fogueira da infâmia a minha imensa Biblioteca e as minhas credenciais. Votar não me é possível, ainda que quisesse.
Depois da Ditadura, a minha Pátria tornou a ser o Chile de sempre: muitos candidatos, coligações, esse suar das mãos ao torcer pelos nossos candidatos, os da Concertação Nacional, que agrupa o PS de Allende, Lagos e Bachelet, o dos antigos Presidente Frei, o primeiro a ser envenenado pela ditadura durante uma operação simples; esse Frei Montalva que não queria entregar o poder nos anos setenta do Século passado ao candidato triunfante, o Social-Democrata Materialista Histórico, Salvador Allende, mas foi pressionado pelo seu candidato, Radomiro Tomiç, candidato, que publicamente e em frente do povo, reconheceu a sua derrota e congratulou o candidato vencedor. Frei Montalva, teve de anunciar os resultados, não tinha alternativa. Poucos anos depois falecia nas mãos dos esbirros que ele apoiara. O seu Amigo de sempre, Patrício Aylwin, foi eleito, por unanimidade como Presidente do Chile, em 1990, com o apoio do seu partido, a Democracia Cristã, semelhante à de Portugal, e uma Concertação Democrata, prémio merecido por ter lutado durante 19 anos contra o Ditador, desafiou-o para um plebiscito, o «não ao Ditador» ganhou, foi-se embora de má maneira vontade, com ameaças de outro golpe de estado, como Patrício Aylwin me contou, aquando na sua visita a Lisboa. Em poucos meses e a correr, os partidos banidos arrebitaram, embora com nomes diferentes, mas todos votaram pelo sabido triunfador, excepto os apoiantes do ditador, que já não existe – grupo conjuntural – e o mais tarde formado partido Renovação Nacional do candidato, que tudo indica ganhe as eleições de hoje, milionário industrial, por nome Sebastián Piñera, apoiado pela coligação de direita União Democrática Independente. Independente, para se diferenciar dos resquícios do partido do ditador, partido que morre lentamente e não apresenta candidato nestas eleições. O seu rival, é o segundo presidente do Chile, a seguir à ditadura, que se recandidata, anos volvidos do seu mandato dos anos noventa, com o apoio massivo do seu partido e dos outros da Coligação Concertação Democrata: o já referido PS, o Partido Pela Democracia (PPD) e o Partido Radical Social-democrata (PRSD).
Digo o Chile de sempre, porque Eduardo Frei Ruiz-Tagle, sente-se com forças para ganhar. Mas as sondagens estimam que Piñera pode obter 44% dos votos, com Frei Ruiz-Tagle a 13% de distância do industrial, empresário que se candidata pela segunda vez à Presidência da República. A primeira vez, foi com Michelle Bachelet, que obteve 45,95% dos votos, com 25,41% a mais que o seu mais próximo rival, Sebastián Piñera, com quem competiu o segundo turno (segunda volta) a 15 de Janeiro de 2006. Finalmente obteve 53,5% do total dos votos contra 46,5% de Sebastián Piñera. A constituição do Chile obriga a ganhar pela maioria dos 50% dos votos. Se assim não acontecer hoje, haverá novo escrutínio, um mês depois.
O problema é que a Concertação Nacional perdeu dois membros, que correm apoiados por grupos próprios: o filho do Deputado Miguel Enríquez, assassinado pelo ditador, Mário Enríquez-Onimani, e um quarto candidato, Jorge Arrete, da coligação do PC e outros grupos da esquerda Marxista, chamada Juntos Venceremos.
Porque O Chile de Sempre? Após 20 anos de Governo da Concertação Nacional, os chilenos parecem ter esquecido a ditadura ou têm feito um esforço para a esquecer. A primeira corrida Presidencial, foi entre Aylwin e um candidato mandado pelo ditador, que o queria ver ganhar para, assim, por seu intermédio, continuar a governar. Perdeu rotundamente. Foi semelhante ao caso do primeiro mandato do filho do antigo Presidente da República (1994-2000) assassinado, e com o candidato Lagos. Até aparecer este industrial que pensa que pode salvar o Chile da hecatombe económica, que no seu ver, se aproxima, por ser internacional. Normalmente, na Europa e nos Estados Unidos da América, os grupos políticos juntam-se para derrotar o inimigo, a eterna economia da Nação. Foi o caso do Chile, nos tempos em que ainda se tremia pelas contas não saldadas da ditadura. Mas, hoje em dia, não apenas o ditador faleceu réu de crimes contra a humanidade, como todos os seus seguidores estão em tribunal e em prisão pública, entre eles, o meu torturador, nesse tempo sargento Zuchino. Devo, um dia destes, apresentar a minha queixa.
A corrida será feroz. De certeza, essa segunda volta vai ser necessária, mas não sabemos se o Chile torna a ser como antes de Allende, Presidências aristocratas ou da alta burguesia. O Chile nada parece ter aprendido com a ditadura, ou quer esquecer os terrores, os raptos e os assassinatos, bem como os detidos desaparecidos que, aquando do meu regresso ao Chile, estudei. Estudo, posteriormente, aprofundado por uma orientanda minha, Sónia Ferreira, hoje Doutora em Direitos Humanos. A Corte de Apelo e a Suprema eram constituídas por adeptos do Ditador, mas os anos não passam em vão, foram vários aposentados, entraram jovens e os torturadores começaram a ser julgados, a justiça começava-se a fazer. Os cidadãos não podem, não devem, esquecer que as presidências são do povo, para o povo e pelo povo.
O Chile ao querer esquecer a Ditadura, corre o risco de tornar aos governos burgueses. Poupando noutras matérias, hoje, Domingo, fiz um inquérito telefónico, breve, a muitos no Chile: os jovens nada sabem da ditadura, os velhos sofreram tanto, que nem falar querem. Os da minha geração e a camada populacional anterior à minha, esses, pelo menos, estão preocupados. O programa de governo de Piñera é fascista. O do Eduardo (filho), de centro-esquerda. Quem me dera ter fé e acreditar, para acender uma vela a Fátima!
Por: Raúl Iturra