P – Tem encontrado surpresas, boas ou más, nestas primeiras semanas em funções?
R – Encontrei falta de dinâmica nalguns sectores, sendo que a maior surpresa foi a dívida da Câmara. Eu sabia que a situação financeira não era das melhores, mas não estava a contar com a dívida que me apareceu três dias após tomar posse. A 29 de Outubro a dívida a curto prazo era cerca de 280 mil euros e a 4 de Novembro já tinha subido para cerca de 1,2 milhões de euros. Isto significa que na contabilidade não havia dados concretos para apurar tal dívida e só depois de terminarem o mandato é que os meus antecessores fizeram chegar à contabilidade os documentos comprovativos da despesa. Eu não digo que isto tenha sido feito de má fé, mas estava convicto que a dívida a empreiteiros e fornecedores era cerca de 280 mil euros. Assim, em vez de termos uma dívida (de curto e longo prazo) de quatro milhões, o montante é de cinco milhões de euros. Esta situação preocupa-me porque, embora haja dívida que possa vir a ser reembolsada através de fundos comunitários, a Câmara tem que ter tesouraria para pagar para depois ser reembolsada por aquilo que pagou e neste momento não há dinheiro para pagar essas dívidas.
P – Essa não é uma desculpa que o presidente da Câmara de Manteigas está a querer arranjar…
R – Não. Isto não é desculpa para o mandato que aí vem, mas uma preocupação, porque não vamos conseguir gerir a Câmara como estávamos a pensar, pelo menos neste primeiro ano.
P – Será então um ano que vai ficar aquém do pretendido?
R – Sim. Não poderemos avançar com aquilo que pretendíamos, nem iremos concretizar o que queríamos. Mas vai ser possível trabalhar com afinco e determinação, tentando fazer o melhor possível com os parcos recursos. Por outro lado, temos que procurar financiamento, só que há um problema: todas as candidaturas aos fundos comunitários ou programas governamentais têm que ter projectos feitos e se as obras já estiverem adjudicadas e numa fase de execução, a candidatura consegue mais pontos em termos da sua aprovação. Acontece que, pese embora tenha havido muitas ideias que vinham do anterior executivo, dei conta que não há projectos executados.
P – Com essa falta de projectos e de recursos financeiros, como conta recuperar a dinâmica e o protagonismo perdidos relativamente à Serra da Estrela, como afirmou durante a campanha?
R – A questão mais importante é recuperar os fluxos turísticos para Manteigas. Para isso, pretendo consubstanciar alguns projectos em termos documentais para, posteriormente, serem candidatados e as obras executadas. Mas, acima de tudo, é necessário resolvermos uma das nossas grandes preocupações, as acessibilidades.
P – Nesse sentido, vai continuar a “partir pedra” pelos túneis?
R – Vou, sem dúvida nenhuma. Não podemos baixar os braços, mas enquanto não estiverem construídos é essencial que a ligação da A23 a Valhelhas – cujo projecto está pensado e em curso neste momento – seja uma realidade. Agora, eu costumo ser algo pessimista em relação a estas coisas, é melhor aquilo que já temos do que aquilo que esperamos, mas acredito que o Governo tem palavra. Outra preocupação, a que mais nos preocupa, é a ligação de Manteigas aos Piornos, ou seja, a rectificação da EN338. Ela não permite o cruzamento de dois automóveis em toda a sua extensão, tem problemas gravíssimos de desprendimento de terra e rocha nos taludes quando chove, mas já há solução para aquela estrada. O que foi definido pela Estradas de Portugal é que, numa primeira fase, o percurso irá levar redes de contenção, seguindo-se o projecto e rectificação da estrada. Ora, estas redes já deviam ter sido colocadas até ao final do Verão, mas só agora se iniciou a sua colocação, que foi logo parada devido ao mau tempo. Por outro lado, a neve é uma atracção sazonal e um factor de atracção a Manteigas, mas quando neva a EN338 até aos Piornos é cortada. Mesmo sem neve, aquela estrada proíbe o trânsito a pesados de passageiros e, por isso, as agências de viagens não programam pacotes turísticos para Manteigas. Resta-me saber se há alguma inércia por parte das entidades competentes, na certeza de que o anterior executivo não pressionou devidamente o Governo. Ainda assim, espero que não haja protecção de outros investimentos na Serra da Estrela em prejuízo do concelho de Manteigas.
P – Para além das acessibilidades, que outros projectos pretende desenvolver para a dinamização económica de Manteigas?
R – Em primeiro lugar, Manteigas não pode recuperar o turismo só com a sua relação com o resto da Serra da Estrela, tem que criar alguma actividade diferenciadora. Nesse sentido, vamos constituir um gabinete técnico de turismo para conduzir todas as acções no concelho. Há pequenas coisas relacionadas com algum desleixo e com a falta de iniciativa, pelo que os locais turísticos foram-se degradando e têm que ser requalificados. Temos depois de passar à promoção do concelho e já estamos a desenvolver uma nova imagem para podermos “vender” turisticamente Manteigas. Além deste gabinete técnico, temos em funcionamento o gabinete de atracção e gestão de investimentos para que nada nos escape.
P – Mas se a Câmara tem problemas financeiros, como vai gerir estes gabinetes, que acarretam custos?
R – Vou tentar trabalhar o máximo com a “prata da casa”, pois há pessoas na Câmara que podem perfeitamente desempenhar esse tipo de funções. Naturalmente que vamos ter que envolver mais alguns profissionais, agora todas as despesas inerentes a estes projectos têm que se conseguir cobrir.
P – Na sua tomada de posse disse que, consigo, a autarquia «será racional nos investimentos, parcimoniosa nos gastos e célere nos procedimentos». Isso quer dizer que não o era até agora?
R – Uma das questões com que me defrontei foi a demora nos processos e aquilo que quero imprimir é um ritmo diferente. Estou em crer que quem está 16 anos à frente de uma Câmara começa a criar um ritmo mais lento e, por isso, é que só penso fazer dois mandatos, se os eleitores assim o quiserem. Os munícipes têm que ter respostas rápidas, é essa a nossa obrigação.
P – Também avisou que não hesitará em fazer cumprir o estatuto disciplinar. É pouco habitual este tipo de ameaças num discurso de tomada de posse. Há motivos para isso?
R – Com essa observação quis dizer que serei rigoroso na gestão da Câmara, inclusivamente na gestão do pessoal. Ou seja, não faltarei a nenhum direito dos trabalhadores, mas também há deveres a cumprir, porque eu também quero cumprir os meus e faço questão que me “obriguem” a cumpri-los. Por isso, exijo que se cumpram os deveres, caso contrário não fazemos trabalho para a população e é para isso que cá estamos todos.
P – Confiou sempre que, desta vez, a vitória não lhe escaparia?
R – Estive sempre bastante optimista. Continuo a dizer que o processo eleitoral anterior foi nebuloso e já na altura a população olhou para o meu programa eleitoral com muita atenção e reconheceu nele muita capacidade de gestão do concelho. Fui acompanhando a população nas suas preocupações e, embora não tendo poder no executivo, ajudei a resolver alguns problemas. Durante quatro anos não votei mais de três vezes contra propostas dos meus adversários nas reuniões de Câmara, o que significa que, na maior parte dos casos, estava de acordo com os projectos e procurava, inclusivamente, dar sugestões para os melhorar.
P – Quando poderá iniciar o aproveitamento do potencial termal de Manteigas e o que vai fazer para isso?
R – Existe um projecto inscrito no plano da Câmara há uma série de anos, o Centro Lúdico-Termal, que passou por diversas negociações com o Inatel – que obrigaram a autarquia a gastar dinheiro – e que nunca avançou. A questão deve ser resolvida com as próximas candidaturas aos quadros comunitários. O Inatel tem uma candidatura ao PROVERE, mas, pelo que foi explicitado, o projecto não irá aproveitar as águas termais para fins lúdicos, continuará a ser apenas para fins clínicos. Esse projecto não nos serve. Um equipamento lúdico com águas termais é visitável de certeza absoluta. Já oficiei o presidente do Conselho de Administração do Inatel para ser recebido e tratarmos definitivamente a questão. Ou fazemos um projecto conjunto, ou a Câmara não terá problema nenhum em fazer um projecto que traga atractividade a Manteigas através das águas termais.
P – E a recuperação da aldeia fabril de S. Gabriel, que está no papel há mais de uma dezena de anos?
R – Também consta no meu programa, mas é um projecto que só pode avançar com uma parceria público-privada, pelo que temos que ter a capacidade de mobilizar vontades e investimento. Do anterior executivo ficou também em aberto o desenvolvimento do Museu das Estradas de Portugal, e até ao final deste ano vamos reunir com a EP para ver a sua viabilidade.
P – A requalificação das Penhas Douradas vai avançar no seu mandato?
R – Antes da requalificação teremos que pensar seriamente no Plano de Pormenor, que está em curso há alguns anos e nunca mais chega ao fim. Em relação ao Plano Director Municipal, a técnica esteve na Câmara a tratar de algumas questões que estariam pendentes e já se está a chegar a algum consenso para que os trabalhos avancem. O que é necessário é imprimir dinâmica nos processos e dizer claramente que há posições contratuais que têm que ser cumpridas. Queria ver se até ao final de 2010 o PDM e o Plano de Pormenor ficavam concluídos. Nas Penhas Douradas queremos desenvolver um centro de estágio de altitude, apesar de me ter sido comunicado pelo chefe de gabinete do secretário de Estado que a obra não iria ser construída. Ainda assim, não há nenhum ofício na Câmara nesse sentido, e enquanto isso não acontecer vou continuar a bater à porta da Secretaria de Estado.
P – Disse que o turismo era o «vector fundamental para o desenvolvimento de Manteigas». Que outros projectos vai levar a cabo, para além dos já falados?
R – A Câmara comprou há uns anos a Fábrica do Rio, a antiga fábrica da Sotave, para ressarcir os trabalhadores de algumas dívidas. Ora, nunca lhe foi dada nenhuma utilidade, a única coisa que está a ser feita é a recuperação da mini-hídrica, embora estivesse também prevista a instalação de painéis fotovoltaicos e de energia de biomassa, mas a candidatura foi chumbada. Chegou-se à desfaçatez de colocar na parede do edifício um placard a dizer “Aqui está a nascer o Centro de Interpretação de Energias Renováveis”, quando de facto era mentira. Nós vamos continuar com a reparação da mini-hídrica e introduzir a produção de energias alternativas, mas vamos fazer o projecto e uma nova candidatura. Num terreno anexo queremos fazer um Centro de Demonstração Ambiental, algo parecido com a Quinta da Maúnça, mas com outras valências, para funcionar em rede com esse projecto e com outro em desenvolvimento em Seia. Ou seja, para que quem visite um, seja obrigado a visitar o outro. Vai também funcionar com as escolas, com um projecto de educação ambiental. Isto também é atractividade turística.
Há ainda outro projecto – consensual com o anterior executivo –, que é o transporte mecânico até às Penhas Douradas para que as pessoas deixem o carro em Manteigas enquanto vão à Serra e que tenham a possibilidade de usufruírem dos percursos pedestres. Estes percursos pedestres já estão a ser definidos, marcados, identificados e serão posteriormente promovidos. A ligação, por si só, já é uma atracção turística, mas é um projecto difícil de executar por ser caríssimo. Temos que resolver isso, conseguindo uma parceria entre a Câmara e um privado, até porque o retorno do investimento não vai ser imediato.
P – O executivo denunciou recentemente a concessão do Ski Parque com a Turistrela. Porquê e o que vai fazer agora?
R – Quando foi construído, pretendia-se que o equipamento viesse complementar o reforço económico do concelho. As coisas não correram bem, o complexo está um pouco degradado e o contrato não foi devidamente cumprido. Neste momento está a resolver-se no sentido de dinamizar aquele espaço, credibilizá-lo, promovê-lo e dar-lhe melhor funcionalidade.
P – Que marca gostaria de deixar? Será presidente da autarquia por quantos anos?
R – A marca que quero deixar é melhorar um pouco a qualidade de vida da população. Digo um pouco, porque não vai ser possível melhorar tanto quanto queremos, dado que as condições actuais são péssimas. Em Manteigas há graves problemas de sobrevivência neste momento e será difícil conseguirmos fazer tudo.
P – E como pode a autarquia contribuir para minorar as dificuldades das pessoas?
R – Manteigas é uma terra de gente digna e com alguma resistência, pese embora as dificuldades, mas não sabemos até quando, e por isso é que queremos alterar rapidamente o rumo das coisas. Há subsídios de desemprego que vão terminar brevemente e pessoas que ficarão sem subsistência, há muitos jovens licenciados que estão sem emprego. Através do turismo e do aproveitamento dos produtos endógenos, pretendemos criar potencialidade para a criação de postos de trabalho. A Câmara já tem alguns mecanismos para ajudar os mais necessitados e, no âmbito do cartão municipal do idoso, queremos proporcionar-lhes a realização de exames complementares de saúde, bem como recuperar as habitações através do Programa Específico de Recuperação de Imóveis Degradados e do Programa de Apoio à Pintura de Fachadas. O que não vamos fazer é dar dinheiro directamente às pessoas, mas estamos a analisar caso a caso. Na primeira semana, no dia de atendimento ao público, recebi 18 pessoas e na segunda 16, e do que essas pessoas me falaram foi da falta de emprego e da casa degradada.
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