Em Portugal existe um conjunto significativo de pessoas que maltrata animais. A confirmar esta minha convicção, serve o exemplo da passada quinta-feira em que, viajando no inter-cidades da Guarda para Lisboa, chega até mim, vindo de um dos lugares ao lado, o som de um porco a grunhir. Provinha de um telemóvel. Sobre ele debruçavam-se dois ferroviários que, descontraidamente, davam grandes gargalhadas a ouvi-lo. Porque aquele som de um animal em sofrimento me estava a incomodar, expliquei-lhes que o que lhes estava a dar prazer a eles era o som de um animal em sofrimento e que eu não tinha de ouvir aquilo. Os guinchos do animal desesperado pararam. Mas este é apenas um exemplo do que é a insensibilidade de alguns.
Sendo nós uma espécie mais evoluída em relação aos restantes mamíferos (afinal não pertencemos à espécie dos Neandertal, nem já à do homo sapiens, mas sim à do homo sapiens sapiens), seria de esperar, talvez, uma atitude de maior compaixão, solidariedade, gratidão e amizade para com seres que connosco partilham o planeta, e que, fazendo parte integrante do nosso habitat, nos prestam serviços e nos oferecem a sua amizade incondicional.
Mas não. Há ainda demasiada gente que se compraz e faz gala em tratar mal os animais. Parece-me estar a ouvi-los: “Atiro aqueles gatos à parede e eles fazem poc, poc, poc!”; ou ainda: “Como não me queria obedecer, atirei-lhe a mangueira à cabeça e fiz-lhe logo um buraco! O sangue do filho da … até esguichou para a parede!”
Para já não falar de todos aqueles que, apesar de proibido por lei, os abandonam: os abandonam quando eles crescem e já não têm a graça de ser cachorro; os abandonam quando, ao comportarem-se como cachorros que são, roem tudo o que encontram; os abandonam quando vão de férias e não pensaram com antecedência onde os deixar; os abandonam quando não prestam para a caça; os abandonam quando estão velhos e doentes.
Sendo esta a mentalidade de uma parte da população, seria de esperar que, ao pôr em funcionamento um canil municipal, o presidente da autarquia tivesse extremo cuidado na escolha dos tratadores a contratar – fosse a partir de grupos indiferenciados de candidatos ou de grupos mais diferenciados (não esqueçamos que os maus exemplos proliferam, por vezes mesmo por parte das entidades de quem se espera maior responsabilidade e o melhor exemplo).
Teria sempre de haver parâmetros muito concretos que levassem a encontrar pessoas cuidadosas e carinhosas para com os animais. É que os cursos de formação nunca transformam sentimentos. O curso de formação ensina técnicas, não confere um lado humano e de empatia a quem o não possui à partida.
Foi essa falta de humanidade e empatia que vi quando visitei o Canil Municipal da Guarda na passada terça e quarta-feira, dias 17 e 18 de Novembro, a diversas horas do dia.
Os cães do canil encontravam-se continuamente molhados. Tremiam de frio. De manhã o chão dos compartimentos estava a ser lavado e, juntamente com o chão, os animais eram também molhados e alguns, os mais baixotes, estavam a pingar água. Vi cães, mas estou a imaginar que o mesmo acontece aos gatos… À tarde, quando lá voltei, os cães continuavam a pingar água. Os maiores tinham o pêlo todo húmido. Apesar de haver duas ninhadas que tinham ninho, havia uma cadela, aparentemente recém-chegada, só com um cachorro, que não tinha ninho, só o estrado molhado, e tremia de frio. Havia dois ninhos num vão de escadas cá fora mas que não estavam a ser usados e eu própria coloquei um deles à mãe cadela com um tapete que trouxe de casa com esse fim.
Os restantes cães – e havia um total de 19 adultos e nove cachorros – tinham como cama uns estrados de plástico molhados onde se poderiam deitar. A alternativa era estarem de pé, sobre a água. Ao chamar a atenção do tratador para os cães todos molhados, este disse que era natural, que não podia lavar o chão sem molhar os animais.
Um dos cães, que acabei por trazer para casa, deixava pegadas de sangue ao andar. O tratador de serviço comentou que tinha havido luta entre os cães. Mas não – era apenas a pele fragilizada das suas patas. Como estão todo o dia em contacto com a água num piso quase liso, as almofadinhas das patas não chegam a secar e, não sendo endurecidas por caminhadas em terrenos com relevo, ficam muito frágeis e abrem gretas com facilidade.
É interessante notar que, tendo um dos dois membros da Associação A Casota, presentes na altura, pedido ao veterinário municipal um pouco de Betadine para lhe pôr nas patas, este o tenha negado, dizendo que não havia Betadine nem caixa de primeiros socorros porque no Canil Municipal não se tratavam animais.
O tratador confirmou que os animais não eram soltos. Desde fins de Julho passado que os cães do Canil Municipal da Guarda deixaram de poder estar um tempo fora das celas todos os dias, o que fora hábito durante os três anos em que a engenheira zootécnica lá estivera e que faz parte das boas práticas para o bem-estar animal que a lei prevê (Decretos-Lei nº 276 de 2001 e nº 314 e nº 315 de 2003). Bastava que os soltassem enquanto lavavam as celas para que não ficassem molhados, a tremer de frio, todo o dia e toda a noite, como acontece no século XXI, na cidade mais fria do país.
Na reunião havida na Câmara Municipal da Guarda em 14 de Setembro de 2007 sobre o funcionamento do Canil, tinha sido já decidido o afastamento dos actuais funcionários afectos ao Canil e a sua recondução noutras funções. Dois anos depois porque continuam ainda lá aqueles homens inicialmente contratados para a recolha de lixo? O que é assim tão forte que mantém no Canil Municipal da Guarda “tratadores” que lidam desta forma com os animais?
Por: Luísa Queiroz de Campos