Está, desde há muito, claro que, em Portugal, não há democracia nenhuma – excepto, evidentemente, para o jornalista da “imprensa de referência” (a propósito: sabe o leitor de que se trata?), o comentador carregado de títulos académicos, o politólogo, o ex-militante do Partido Comunista, agora, sem mérito, alcandorado a outras paragens (e que só deixará de ser plebeu quando sentir que o saber é uma “aristocrática” conquista interior), o comentador… Trata-se de um risível estendal? – Nada disso. Este nosso País andou sempre (desde certa altura do séc. XVI) tão arredado das letras, da reflexão e da meditação que tomou – e continua a tomar – por boa a expressão de opinião deletéria, sem valor rigorosamente nenhum, ou muito pouco. O estimado leitor fica, todavia, avisado de que o que acaba de ler não é um alarde de diminutivo.
Não há homens dignos em Portugal? – Claro que sim. Não se edita nada de bom em Portugal? – Claro que edita. Não há, hoje, portugueses ilustres? – Claro que há. Não há é democracia. Para se sentir – ao menos durante algum tempo – incólume aos nauseabundos miasmas da mistela que, diariamente, lhe são servidos pelo regime – e também, para saber que a História do nosso querido País não pode ser desviada dos seus carris por gente supinamente ignara –, para sentir, ainda, um inamovível finca-pé para a sua dignidade como pessoa corra à livraria e compre, de João José Brandão Ferreira, editado pela D. Quixote, o livro Em nome da Pátria. Vai ver que o lê de um fôlego e… me agradecerá estas linhas – além de se dar parabéns a si próprio. Sim, é para a mais alta dignidade que escrevo.
… Não há democracia nenhuma, não! Aliás, antes de preocupar-se com a instauração da democracia, o que as forças que fizeram o 25-IV queriam era amputar Portugal dos seus territórios ultramarinos. Folgo por que um historiador com os mais altos horizontes conclua – o mais rapidamente possível – que Cunhal era um traidor, mancomunado com Moscovo; e que Mário Soares, antes de meter o “socialismo na gaveta”, gritava como palavra de ordem – pelas ruas – “Partido Socialista, Partido Marxista”. Aliás, em relação a este último, basta lembrar que, em Coimbra, como primeiro-ministro, foi confrontado com uma manifestação de trabalhadores com salários em atraso; e por estes terem sido soltos (não apresentou queixa) insultou o juiz por tê-los liberto. Conclusão da sequência: o Código Penal modificou-se. Isto “constituiu a primeira alteração de que foi alvo por exigência dos interesses pessoais de figuras políticas” (“Mário Soares e Angola”, in Diário do Centro, de 15-III-2000, da autoria do actual bastonário da Ordem dos Advogados). Esclarecedor, não é?
Portanto, sem mais delongas, há que salientar que a consciência cívica portuguesa não podia revelar-se nada de primorosa, tão frustes eram as suas raízes antes do 25-IV, tal como a promoção de uma exaltante cidadania nunca interessou aos partidos políticos, cujo único e sobranceiro desígnio foi a obtenção do Poder e a sua perpetuação nele. Um clamoroso défice de cidadania, portanto.
Como pode, assim, promover cidadania quem não sabe o que isso seja? Como pode ser fautor de elevação quem a não tem? Ademais, vem também a propósito pensar – e interpelar – a Igreja. “O reino de Deus não é deste mundo”? Então este para que serve? Uma estreme atenção ao quotidiano é algo que talvez não integre os imediatos propósitos da instituição. Não sei: não sou clérigo e nem sempre converso com eles. Contudo, se a estreme atenção ao quotidiano não está dentro dos seus mais instantes desígnios, então não se queixe da ausência de vocações, de Lisboa ser uma cidade paganizada, de, em Portugal, hoje, se cometerem crimes hediondos e por motivos fúteis (escassas centenas de euros), de a capital ter menos sacerdotes que, v.g. Paris ou Madrid, de…
“O que é, é; e não pode ser, e não ser, ao mesmo tempo”, eis, em síntese o que Parménides de Eleia (séc VI-V a.c.) ensinou à Humanidade – para todo o sempre. A Democracia não é nada disto em que vivemos. O embuste, a mentira, a corrupção, a malvadez, a hipocrisia, o interesse próprio apresentado como dedicação à Grei, a incompetência arrogante a cuidar-se inimputável – e a comportar-se como tal mesmo que ao nível do mais obscuro dos comparsas – isto são os miasmas de que falava acima.
A força de cada um promanará directamente da sua consciência – e quanto mais funda melhor. Sim, nenhum regime é passível de existir além da rectidão interior. Ninguém está desobrigado de saber, ponderar e decidir segundo os mais altos princípios e critérios. Estou certo que o leitor se preocupa seriamente com isto – e que os vexames a que os portugueses estão quotidianamente sujeitos o ferem profundamente. Ninguém está desobrigado porque a originalidade de cada um é incoercível – tal qual as suas dignidade, imaginação e visualização do futuro (seu e da Grei). Esteja atento leitor: o rugir do vulcão não é apenas repugnante e ensurdecedor – é já insuportável.
E, se alguém lhe vier falar de democracia em Portugal, sorria-se ou olhe-o de esguelha.
15-XI-09
Por: J. A. Alves Ambrósio