O programa de Governo apresentado esta semana por José Sócrates parece uma elaboração a partir das “necessidades instrumentais” propostas por Malinowski: economia (tudo do Estado), controle social (todo pelo Estado), educação (toda no Estado) e organização política (são eles o Estado). A cultura antropológica tem a função de suprir as necessidades do Homem, a cultura socialista serve para satisfazer as necessidades do homem – no caso, Sócrates.
Radcliffe Brown explicou que os indivíduos têm relevância analítica quando estão integrados na rede de relações ocorridas dentro das estruturas sociais. Para nenhum cidadão se tornar analiticamente irrelevante, o Governo quer aprovar o casamento entre pessoas do mesmo sexo e obrigar todas as pessoas a adquirir diplomas. Segundo o antropólogo, o todo está organizado numa coerência funcional, o que prova que Radcliffe Brown nunca visitou o Palácio de S. Bento.
A teia de significados semióticos descrita por Clifford Geertz orienta a acção humana. A cultura comunica, perpetua e desenvolve o seu conhecimento sobre a vida. Sócrates, que ocupa muita parte do tempo a correr, leu “A Interpretação das Culturas” na diagonal e só fixou o capítulo sobre a perpetuação.
Claude Lévi-Strauss, que morreu na passada semana aos 101 anos, já não chegou a conhecer este programa de Governo. No entanto, é de acreditar que o homem dos “Tristes Trópicos” colocaria as propostas de governação na balança dos dois tipos de pensamento e simbolização: a bricolage e a engenharia. A segunda acontece quando se criam ferramentas especializadas para fins específicos. A bricolage é da ordem das ferramentas não-especializadas para uma variedade de fins. Se Lévi-Strauss fosse vivo, teria de criar uma terceira categoria para o programa do PS e talvez lhe chamasse o “desenrascanço da mulher-a-dias”. Não há ferramentas nem há objectivos. Apenas um monte de lixo que se varre para debaixo do tapete para ninguém dar conta e não ser despedida no fim do dia.
Os socialistas, de repente, tornaram-se os grandes funcionalistas da política portuguesa. A Assembleia da República já não é o antro dos grandes debates, mas o átrio dos grandes consensos. O partido do Governo agora só imagina a política como a praça da concórdia. Chegou aqui à velocidade de um Concorde. E está muito atento a quem com eles não concorda. E isto, se não é antropologia, é outra coisa qualquer.
Por: Nuno Amaral Jerónimo