”Uma cidade torna-se um mundo, quando se ama um dos seus habitantes”, disse Lawrence Durrell, esse sofisticado cosmopolita (que foi também diplomata em Lisboa de que disse ser “uma cidade insípida e provinciana”) e autor do célebre e celebrado Quarteto de Alexandria, que a minha geração de universidade, com sofreguidão, leu.
… Uma cidade. Sim, porque uma cidade é infinitamente mais que casario, mais, inclusivamente, que instituições. Uma cidade é a suma fineza relacional, a refinada subtileza pessoal a perfumar toda a Grei, um conjunto dos mais elevados princípios a fundamentar e prospectivar a vida da urbe. A cidade só poderá sê-lo porque há professores e artistas, clérigos e músicos, filósofos e pensadores, estetas e arquitectos, economistas e juristas…, todos ao mais alto nível para lhe imprimirem carácter. Os políticos, emanação de tão refinado conjunto, estarão a este supremo nível – mesmo que, por hipótese, mais não fossem que um mero epifenómeno. Destarte, todos que nela habitam se sentem felizes. Sentem-se elevados com o ambiente que lhes é propiciado pelo escol dirigente, que, antes de ser político é espiritual, cultural e civilizacional; sentem-se elevados por sentirem que, ao serem reconhecidos como pessoas de inquestionáveis dignidade e direitos, têm, igual e reciprocamente, de usar urbanidade para com os demais; elevados, também, porque sentem que o passado (pelos seus monumentos, v.g.), presente e porvir os bafejam – e a isso, sumamente, apreciam.
Nenhum exemplo de urbe me parece tão perfeito como Berlim. Há menos de 20 anos podia ler-se o aviso ao transeunte: Sie verlassen den amerikanischen Sektor (“Está a sair do sector americano”). A cidade estava dividida em 4 sectores como consequência da segunda conflagração mundial, é sabido. Em menos de duas décadas deixou de apresentar-se como permanente estaleiro, digamos, e, por outro lado, deixa encantadas crescentes multidões de exigentes turistas, tão exaltante e estuante de vida a cidade é. Que o digam os meus selectos alunos, a colega que a visitou em Agosto e concluiu que, para ver-se, “precisa de uma série de dias”, ou, então, outro amigo que ficou rendido com o Pergamon (um dos museus que integra a Ilha dos Museus, área da cidade onde se situam uns quantos que albergam algumas das produções supremas que a Humanidade já logrou e executar).
… Imprimir carácter aos habitantes no sentido da elevação dos princípios e dos princípios da elevação é a primeira, irrestrita e irrenunciável tarefa de um autarca. Fazer a passadeira que atravessa a rua desembocar frente ao estabelecimento, neutralizar um bocado de jardim para nele ser instalado um café, anular um passeio para aí se fixar um restaurante, mutilar uma praça com um belo jardim rococó como pano-de-fundo e, num canto, prantar outro restaurante, etc, etc, etc, isto o que é?
De há um mês e pouco a esta parte tenho ido trabalhar para a Biblioteca Municipal. Mal comecei a ir para lá – e sem ainda saber que teria de colocar um dístico no carro para assinalar a minha condição de leitor (só mais tarde me avisaram) – fui abordado por um funcionário que, em modos grosseiros, me disse que não podia estacionar ali. Respondi-lhe no tom adequado e, em posterior ocasião, pu-lo em xeque frente às senhoras da recepção. O mais bonito estava, porém, para vir. O putativo espaço para os utentes é, afinal, para o furgão, o jipe, o veículo de caixa aberta ou os carros de um conhecido ex-deputado municipal (ao não ser “rosa” e por saber ler a placa devia, ainda mais, ter vergonha e não estacionar lá), etc, etc.
O dito funcionário deixa tranquilos os não-utentes que se locupletam com o espaço? Mais. A minha intuição diz-me – eloquentemente – que alguém lhe lembrou que haveria eleições autárquicas. É só ler certos rostos.
Não foi “em nome da Guarda”, ou do “Futuro da nossa terra”, que a candidatura se apresentou. Um leitor veio dizer-me que, também a ele, Valente não respondeu a uma carta que lhe dirigira; outro que não é – de forma nenhuma – de fiar (deu exemplos).
Amigo de Sócrates (“Diz-me com que andas…”), activo a obstaculizar a acção do jornalista José António Cerejo, não sabendo sequer exprimir-se em público (que me desculpe, mas tenho-me sentido constrangido a ouvi-lo), eis alguns traços identificativos.
Guarda, 25-X-09
Por: J.A. Alves Ambrósio