Tudo o que o Estado gasta e todas as suas despesas e investimentos representam uma factura a pagar sempre, directa ou indirectamente, já ou mais tarde, pelos mesmos: os contribuintes do sector privado. Alguns dirão que os funcionários públicos também pagam impostos, e é verdade, mas o dinheiro com que o fazem chegou-lhes às mãos, em salários ou pensões, a partir dos impostos previamente cobrados aos outros. Ninguém sabe quantos funcionários públicos temos, talvez o número correcto se situe entre seiscentos mil e um milhão mas isso nem é o mais importante. Era mais urgente determinar se são de mais, como dizem muitos, ou se estão apenas mal aproveitados, como sugerem outros, estes em menor número mas também com alguma pertinência na argumentação. O seu custo total, e a conversão deste custo em impostos são também preocupações, sobretudo de quem paga. Estes, os contribuintes, têm por vezes a aguda percepção de que as reivindicações dos funcionários públicos se traduzem sempre, quando são satisfeitas, em mais impostos. Pode ser injusto, mas não há com tanta frequência a constatação, paralela àquela percepção, de que o aumento das regalias daqueles se traduza numa melhoria proporcional dos serviços que prestam. Resta a evidência palpável, calculada ao cêntimo e com juros de mora, e a fatalidade, cada vez mais eficiente e incontornável, dos impostos.
Há mais percepções, talvez tão injustas como aquela. Há a ideia, cada vez mais vezes verbalizada, de que os funcionários públicos têm um peso nos cargos dependentes de eleição superior ao que seria de esperar. Se apenas um em cada seis portugueses em idade activa é funcionário público, esperar-se-ia que essa proporção se mantivesse entre os deputados, os vereadores ou entre os titulares de cargos de nomeação política, mas não é assim. A maior parte dos eleitos, pelo menos para cargos de alguma relevância, tem um lugar à sua espera na administração ou em alguma empresa pública, findo que seja o mandato.
O que tem isto de mal? Nada, ao menos como consequência directa do facto, não fossem alguns detalhes menos agradáveis. Pode haver, por exemplo, a tendência, talvez inconsciente, de valorizar ou proteger mais os direitos da classe em detrimento das outras, que contrariamente ao que muitos pensam os recursos gerais são escassos e as vários políticas apenas diferem entre si no modo como os distribuem. Por exemplo, um conselho de ministros constituído por professores poderia ter a tendência de aprovar a progressão automática e sem numerus clausus de todos os professores, independentemente do mérito e até ao topo da carreira. Por uma questão de princípio, e de igualdade, igual regalia deveria ser reconhecida aos juízes, aos polícias, aos GNR. A consequência seria, daqui a vinte anos termos muitos milhares de juízes conselheiros, de generais da GNR, de comissários da PSP, de catedráticos, etc. Isto seria um absurdo, dirão, e não é isso que se quer – nem há recursos para o pagar. É antes verdade, e estava outra vez a resvalar para a injustiça, que os eleitos põem em geral o interesse da comunidade à frente da sua agenda pessoal ou da agenda da sua classe. É verdade, mas deveria notar-se mais.
Por: António Ferreira