Arquivo

O mausoléu

Bilhete Postal

Um mausoléu pode ser uma caneta no bolso de um casaco. Podemos fazer uma homenagem na distribuição de roupas do defunto. Um carimbo perpetua um nome passado. Ter esta ideia de perpetuar os que nos abandonam o percurso é algo místico e santificado. Pomos uma foto e uma flor, uma carta escrita, um lápis que foi usando nos últimos dias, o seu canivete de ir ao monte, uma visita frequente ao cemitério, uma recordação em acto de fé. Nós somos de homenagear de modo físico, tentando recordar em massa, em matéria. Guardamos, por isso, memórias incríveis e custa-nos desfazer das posses. custa-nos fechar o ciclo como se a ressurreição viesse. Os humanos não se perdoam o esquecimento, não se toleram a morte do fantasma. Mas fazemos isto de modos tão diversos e peculiares. Fazem-no as viúvas dos modos mais surreais. Fazem-no os filhos pelos pais. As depressões e o luto patológico são outro modo físico e desestruturado de receber a morte. Veio-me tudo isto da visão da caneta Parker do meu pai junto ao seu carimbo de médico, colocados na secretária do Arnd Nicnerski que tanto o admirava, desde há sete anos, de modo intocável, num mausoléu pequeno e comovente que nos perpétua ali, naquele escritório improvável, em Osnabrück. Foi em Dezembro de 2001 que me pediu algo pequeno que fosse dele e ele pudesse guardar. Mandei-lhe a caneta, o carimbo e uma ficha médica verde com aquela letra sui generis de agudos constantes. Lá estão na secretária, frente à janela que dá para o jardim. O pai gostaria daquele sítio, de se sentar ali a ler um livro com muito verde pela frente.

Por: Diogo Cabrita

Sobre o autor

Leave a Reply