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A idade média

Observatório de Ornitorrincos

De acordo com as projecções demográficas do The World Factbook da CIA, os homens portugueses vivem, em média, 75 anos – recorro aos serviço de espionagem americano porque é gente confiável que sabe coisas que mais ninguém consegue ver e eu não confio muito em estatísticas do governo de Sócrates em ano eleitoral. Mas mesmo que a informação da CIA não esteja correcta, vou fazer como o primeiro-ministro e usar este dado porque, como os leitores já vão perceber, dá imenso jeito.

Se por uma vez na vida eu respeitar a média em alguma coisa aquele número significa que cheguei a metade do tempo que me é esperado viver. 37 anos e meio para trás e, segundo a estatística, 37 anos e meio para a frente. Estou portanto na média aritmética da minha vida. Se dobrar a vida em dois, hoje é o primeiro dia outra metade.

Sem grande esforço, aqui está um óptimo pretexto para não ter de pensar em mais nenhum assunto para escrever este artigo a meio de Agosto. O único mérito que me pode pertencer por estar a cumprir a minha idade média foi não me ter suicidado entretanto. Tudo o resto é virtude alheia.

Há quem goste de fazer balanços em alturas simbólicas. Eu não, enjoo e tenho vertigens, se o baloiço subir muito alto.

Atenta às estatísticas está também a minha mãe, que foi ao site do INE conferir a idade média com que os homens portugueses se casam pela primeira vez, para saber exactamente quanto tempo de solteiro tenho a mais: 7 anos, 7 meses e 12 dias. No entanto, como cada um dos meus irmãos se casou com mais de seis anos sobre a média, isso garante-me aproximadamente mais meia dúzia de anos de sossego para que entre todos cumpramos a média nacional. Obrigado, maninhos. Da visita ao INE, a minha mãe aproveitou para me informar que sou um dos 683 491 portugueses que vive sozinho. Eu desconfio que este número esteja subvalorizado, porque à hora que a malta dos censos aparece à porta, nós estamos no restaurante ou preocupados em abrir um lata de dobrada e ficamos por contar. Seja como for, a minha mãe acha isto um desperdício de casas e diz que nos devíamos organizar.

Lembro-me agora que a última entrevista que vi de Natalie Portman, ela contava que tinha regressado à casa da família, mas não estava muito satisfeita. Natalie, tenho um quarto vazio, muita literatura e sou admirador de Israel. Além disso já estou habituado à tua companhia, tantas vezes te vejo no Hotel Chevalier.

Volto ao tema inicial. Estou, portanto, no meio da idade. Na meia-idade, ou se preferirem, na idade média. A idade média, como se sabe, é a era que deixou definitivamente para trás o Império Romano dos 20 anos, com muito esplendor e bastante lascívia, e antecede o movimento renascentista de regresso aos clássicos, lá para meados dos 40. A idade média é o mundo bizantino e do Sacrossanto Império Germânico-Romano. É o tempo dos gregos que ainda se pensam romanos, dos bárbaros que se civilizam lentamente. Na idade média Santo Agostinho ainda é mais importante que Agostinho da Silva.

Espero apenas que aos 75 anos, quando a inevitável estatística chegar, a Morte não venha jogar a minha alma num jogo de xadrez. Nem é porque me importe de perder, é porque não quero que os outros velhinhos me chamem snob por não jogar a vida ao dominó.

Por: Nuno Amaral Jerónimo

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