P – Como caracteriza Trancoso por ocasião de mais uma Feira de São Bartolomeu, um acontecimento marcante na vida da cidade?
R – Trancoso é um concelho que está em desenvolvimento e a potenciar os seus dois “clusters”, isto é, a sua vertente comercial e o património como destino turístico cultural. Temos um projecto estratégico de desenvolvimento que foi consensualizado pelos vários parceiros institucionais e elaborado pelo gabinete de planeamento urbano e regional do professor Jorge Gaspar, que nos traçou um Plano Estratégico para 20 anos em que Trancoso será um centro urbano de serviços, comércio e turismo. Creio que isso tem balizado todos os investimentos públicos e municipais e é, justamente, no campo do comércio, do turismo e dos serviços que temos vindo a apostar. Trancoso é um concelho com uma baixíssima taxa de desemprego e dinâmicas de crescimento. Em matéria de serviços, vai abrir agora um lar na Cogula, no final do ano abrirá outro na Granja, estão a concurso outras duas unidades do género em Vila Franca das Naves e Freches, vai começar a funcionar a unidade de saúde da Misericórdia, que também será empregadora, portanto, é uma área em crescimento. Temos outro potencial de crescimento no turismo, sector onde estamos num patamar ainda baixo, apesar do número de visitantes ter vindo a subir gradual e significativamente, até porque a oferta museológica ainda é incipiente. Por isso, na véspera de mais uma edição da Feira de São Bartolomeu, Trancoso é um concelho em desenvolvimento e com grandes potencialidades de desenvolver os seus sectores-chave de actividade, que são o comércio, o turismo e os serviços. Estamos também a um ano de ter uma auto-estrada que potenciará ainda mais estes factores. Portanto, o futuro deste município é de esperança, pois Trancoso tem vivido um ciclo de investimentos públicos que penso constituir caso único no conjunto do distrito.
P – O investimento público será uma das causas, mas a que outros factores se deve essa dinâmica de crescimento?
R – Tenho reflectido muitas vezes sobre como é possível um concelho como o nosso ter este crescimento. Trancoso está longe do mar, não tem rio e tem estado, até agora, afastado de eixos viários tipo IP ou auto-estrada, situa-se a quase 900 metros de altitude e, por causa disso, tem um clima agressivo e uma agricultura relativamente pobre, com excepção de uma faixa a Sul. Na minha opinião, há três factores que explicam essa dinâmica. Primeiro, haver uma estratégia clara; segundo, há um bom relacionamento entre todos os parceiros, sejam eles políticos, institucionais, sociais e empresariais, que convergem todos no mesmo sentido com propostas e consensos. Em terceiro lugar, há competitividade, nas pessoas, nas instituições e nas empresas. Creio que o facto de termos condições adversas do ponto de vista climático e geográfico leva a que as pessoas redobrem de esforços e tenham mais dinamismo para ultrapassar essas condicionantes. Portanto, penso que o desenvolvimento do concelho está no carácter dos trancosenses, nos consensos que vamos fazendo, numa vida política participada e também no facto de termos uma estratégia, um rumo definido, que nos aponta determinadas metas e é para elas que estamos a convergir. Há depois políticas que têm vindo a fomentar aquilo que é o investimento na criação de emprego, como na área do apoio social ou da educação, mas também de apoio ao investimento produtivo, onde procuramos fazer despoletar dinâmicas e ofertas de trabalho na área dos serviços e do sector secundário.
P – Falou há pouco no Plano Estratégico de Trancoso, em que fase está neste momento?
R – Estamos na fase final. O projecto já teve várias reuniões, sectoriais e de apresentação, instruiu uma candidatura que saiu vencedora no âmbito do segundo concurso da regeneração urbana. Estou convencido que ficará fechado até ao final do ano, depois de apresentado à população em finais de Setembro e do período de discussão, após o qual será formalmente aprovado pelo município. Penso que teremos esse instrumento operativo devidamente concluído em 2009. O plano pretende ser um enquadramento estratégico que depois vai encorpar todas as outras candidaturas que o município vai fazer no futuro. Neste momento estamos a preparar o planeamento das operações de financiamento daquilo que são os nossos objectivos para o próximo mandato.
P – Com esse instrumento estratégico, Trancoso estará a consolidar uma posição de destaque no distrito da Guarda?
R – Penso que sim. Neste momento Trancoso é o concelho mais populoso do Norte do distrito, com melhores indicadores demográficos, empresariais e da taxa de empregabilidade. É uma consequência do dinamismo empresarial deste concelho. Temos vivido um ciclo de continuidade de opções estratégicas, não há hiatos, não tem havido nada que obstaculizasse a que as coisas andassem rapidamente e, por isso, considero que esta dinâmica é fruto do ambiente político, da colaboração institucional, do entendimento e do consenso dos actores institucionais, além de termos uma estratégia definida. Em Trancoso tem havido um ambiente que tem permitido que o ciclo de investimentos tenha dado estes frutos. O nosso objectivo é termos, em 2011, um decréscimo zero em termos populacionais. Já era uma vitória muito grande não perdermos população nestes últimos 10 anos. Outra meta quantificada é termos, no mínimo, 4.500 habitantes em Trancoso daqui a dois anos.
P – Os parceiros institucionais e privados estão a par desses objectivos, porque também terão uma quota-parte de responsabilidade em concretizá-los?
R – Sabemos que temos que cativar população, mas já hoje temos um saldo praticamente igual entre o número de pessoas que trabalham fora e as que vêm trabalhar para Trancoso. Sabemos que estamos à tangente de outros concelhos, de resto há um indicador demográfico interessante. Em 2001 tínhamos menos 500 habitantes que Pinhel, em 2006, nas estatísticas intercalares do Instituto Nacional de Estatítica (INE), já temos mais 500. Portanto, Trancoso está a procurar cativar as pessoas, mas para isso temos que oferecer emprego, tendo a Câmara vindo a potenciá-lo nos serviços, no turismo – o futuro está nesta fileira, mas também na gastronomia, na doçaria e no merchandising –, no programa da reorientação da oferta comercial e com o projecto do mercado/centro comercial. No que diz respeito à indústria, teremos lotes para oferecer em breve e, com a autarquia de Celorico da Beira, vamos criar uma Área de Localização Empresarial perto do nó de Vila Franca das Naves do IP2. Trata-se de um projecto potenciador de um conjunto de actividades já numa perspectiva de oferta regional. Agora, só quem gere uma autarquia do interior sabe como é muito, muito, difícil conseguir resultados positivos. Nestes tempos difíceis, dizer que Trancoso tem esta meta ambiciosa de não perder população é ainda mais difícil, as pessoas não medem a dimensão deste objectivo. E depois também porque Trancoso não é capital de distrito, que, às vezes, beneficiam de programas de investimento específicos por parte da administração central. No entanto, ao contrário de outros concelhos, acredito que a auto-estrada vai ser extraordinariamente importante para Trancoso do ponto de vista das dinâmicas que pode criar.
P – Acredita que vai trazer mais do que levar de Trancoso?
R – Sem dúvida. Primeiro, porque para sermos um destino turístico atractivo tínhamos que ter uma ligação por auto-estrada. Neste momento a maior percentagem de população activa está no terciário, portanto, se os trancosenses vivem do comércio e dos serviços e se querem viver do turismo, facilitar os acessos dos visitantes é oferecer-lhes um mercado que para os locais é mais facilitador. Queremos trazer mercado e nós vivemos do mercado que criamos, isso é a base económica da nossa população: trazer pessoas que venham comprar, fazer as feiras ou venham aos nossos eventos. Acredito que podemos vir a ser um destino turístico muito interessante, pois, além da atractividade natural de Trancoso, estamos a criar oferta museológica – a requalificação do castelo estará pronta até ao final do ano, o museu judaico que está a concurso público e o Museu da Cidade, que acolherá também o Centro de Interpretação da Batalha de Trancoso e um Centro de Artes -, o mercado/centro comercial e depois a ideia de um grande projecto como o parque temático na Vilacruz. Neste particular, já lancei o desafio a César Prata que se mostrou interessadíssimo em colaborar. Estou convencido que poderemos ter aqui uma oferta de turismo cultural e de aventura extraordinária, esse é o grande objectivo para fechar um ciclo de obra. Depois haverá um novo ciclo de gestão, animação e de qualificação das ofertas.
P – De que se trata concretamente este projecto?
R – Vilacruz é um grande parque muito arborizado, com construções muito interessantes, e o objectivo é fazer um parque temático dedicado à época medieval. A ideia é muito interessante e estou convencido que vamos concretizá-la. É uma coisa para trazer mesmo muita gente, não apenas aos fins-de-semana.
P – Esse cenário pode eventualmente levar à alteração de alguns hábitos em Trancoso, nomeadamente a abertura do comércio ao fim-de-semana. Está a ponderar-se essa ideia?
R – Em Trancoso precisamos de ter o comércio aberto ao fim-de-semana. É necessário e fundamental se queremos ter gente e alojar visitantes. Aliás, a proposta de reorientação da oferta comercial no centro histórico e o futuro centro comercial é justamente para termos portas abertas ao fim-de-semana, porque o turista que vai a qualquer lado precisa de ter o que ver, onde comer e onde comprar. Se não tiver uma destas três coisas ele não vem, nem a oferta é interessante.
P – Acha que os comerciantes estão preparados para essa eventualidade?
R – Temos tido da parte dos comerciantes uma adesão muito significativa, além disso temos uma associação comercial que participa nestas acções e projectos. A abertura do comércio aos fins-de-semana é um trabalho que está a começar a fazer-se e estou convencido que assim vai ser, até porque não há desenvolvimento económico se os agentes não participarem neste desafio.
P – Que novos projectos tem para o próximo mandato?
R – Há quatro grandes projectos. São eles o Museu da Cidade, com o Centro de Interpretação da Batalha de Trancoso e o Centro de Artes, o edifício da Câmara Municipal, o mercado/centro comercial e o parque temático. Já a obra do Museu Judaico deverá começar ainda este ano, havendo ainda outros investimentos em curso, como o quartel dos bombeiros de Vila Franca das Naves ou o lar de terceira idade em Freches, por exemplo. Aqueles quatro projectos fecharão um ciclo de obra de forma a termos em Trancoso, em 2010/2011, com a conclusão da auto-estrada, uma oferta de muita qualidade para começar a fazer uma promoção adequada.
P – As parcerias público-privadas são para continuar na concretização dessas iniciativas?
R – Mediante concurso público, criámos uma empresa para a constituição de uma parceria público-privada que tinha sete projectos em carteira, dos quais deixámos cair um, o Museu do Tempo, e já executou três. Os restantes serão avocados pela Câmara, isto é, de uma parceria com 20 e poucos milhões de euros, a autarquia vai assumir um investimento da ordem de cerca de nove milhões de euros. É que o Museu Judaico já está a ser feito pela autarquia, o Museu da Cidade será financiado pela Comurbeiras e temos a expectativa de poder vir a obter financiamento para o mercado/centro comercial. Esta é a perspectiva actual, mas a parceria mantém-se e até poderá vir a candidatar estes projectos se houver necessidade, bastará a empresa municipal comprar mais dois por cento para a empresa passar a ser maioritariamente de capitais públicos.
P – Falou há pouco do parque industrial, que contrapartidas oferece a Câmara a quem pretenda instalar-se em Trancoso?
R – A autarquia tem um programa de apoio ao investimento que, caso a caso, pode dar apenas o terreno, ou o terreno e obras ou dinheiro a fundo perdido depende do tipo de investimento. Damos, pelo menos, o terreno, mas também temos que ser selectivos e estes apoios podem ser majorados em função do tipo de investimento, do número de postos de trabalho criados e do grau de tecnologia incorporada.
P – O projecto da Área de Localização Empresarial continua a fazer sentido?
R – O nosso projecto é complementar aos existentes na Guarda, na Covilhã, em Viseu ou na região do Douro. Considero cada vez mais que este tipo de projectos tem que ter uma base multimunicipal e, neste caos, até poderá juntar mais Câmaras, outras entidades, designadamente as associações empresariais, e uma grande empresa. Acredito que é a solução para Trancoso e Celorico, agora tudo o que é fazer coisas no interior custa muito mais do que no litoral ou perto de centros urbanos. Só a persistência, a teimosia e o visionarismo nos levam lá, mas estou convencido que tudo aquilo que temos imaginado temos concretizado. Acredito que o que nos vai acontecer no futuro são coisas boas.
P – Disse recentemente que o QREN estava muito atrasado, mantém essa opinião?
R – Sim, o Quadro de Referência Estratégico nacional (QREN) está muito atrasado a vários níveis. Por exemplo, nos programas da agricultura, o programa LEADER já devia ter arrancado há dois meses e até os PROVERE estão atrasadíssimos. O QREN está a arrancar muito lentamente e tem pedidos de pagamento muito burocratizados, estou convencido que o programa tem que ser alterado no sentido de flexibilizar as candidaturas e os processos administrativos. É um programa muito “complex”, nada “simplex”.
P – Há uma ideia do investimento que está paralisado por causa desta situação?
R – Em Trancoso, a parceria público-privada arrancou por causa do atraso do QREN, não tínhamos outra alternativa para fazer obras. É certo que a central de camionagem não era elegível, agora está-se a atrasar muito o desenvolvimento do país e vai-se perder dinheiro inevitavelmente, que terá que ser devolvido à Comunidade Europeia.
P – Este ano a Feira de São Bartolomeu vai acontecer num local requalificado. É uma intervenção importante para a autarquia?
R – Era importante do ponto de vista urbanístico, pois aquele terreiro, hoje no “coração” da cidade, estava mal tratado. Depois, era necessário ter uma infraestrutura com qualidade para a feira e, por isso, o desenho daquele projecto tem a ver com tudo isso. Além de ser um espaço de feiras, é um grande parque de estacionamento e uma área tratada do ponto de vista urbano. Estou convencido que vai permitir trazer mais expositores.
P – A Feira de São Bartolomeu está bem como está, ou considera que o seu formato tem que ser alterado para a manter atractiva?
R – Entendo que tem que haver sempre novidades, este ano é o campo da feira requalificado, mas depois temos que apostar noutros modelos. Na minha opinião, temos que reduzir os dias da feira e introduzir algumas modificações. De qualquer forma, a aposta é multiplicar mais o conjunto de eventos de natureza comercial que fazemos em Trancoso. O problema não é a falta de ideias, mas a falta de financiamento desses projectos. O desenvolvimento de Trancoso terá que passar muito pela animação comercial da cidade.
P – Com este dinamismo e actividade, a cidade tem argumentos para rivalizar com as principais cidades do distrito?
R – Estou convencido que Trancoso terá condições de se aproximar dessas cidades. Com Gouveia, penso que isso acontecerá a breve prazo, já relativamente a Seia e Guarda, se continuarmos este ritmo de crescimento, aponto para 2012/2013. O nosso objectivo não é rivalidades, mas sedimentar um centro urbano que possa ser agregador. De resto, a nossa área de influência, que está estudada, é mais a Norte de Trancoso que propriamente a Sul.
P – Há condições para que Trancoso possa vir a ser a autodenominada “capital” do Norte do distrito?
R – Nós assumimos esse desafio. Além do mais, o fortalecimento de um núcleo urbano no Norte do distrito da Guarda pode ter aqui uma voz e participação, até complementar, que pode dar outra força às nossas reivindicações e potencialidades.
P – O que ficou por fazer neste mandato?
R – Resumir-se-á a isto: o nosso desejo ficou além daquilo que era efectivamente a nossa vontade e o nosso desejo ficou aquém da mudança que ainda era preciso fazer. Isto é, apesar de termos feito muita coisa, ainda faltaram algumas coisas, como os projectos museológicos, que poderiam ter tido um andamento maior se as candidaturas tivessem aberto mais rápido. Nós também podíamos ter andado mais depressa, mas não quisemos hipotecar o futuro de Trancoso. Tenho a consciência que executar uma parceria público-privada de 20 e poucos milhões de euros poderia ser um sucesso extraordinário, mas era uma factura muito pesada para as gerações futuras. Embora considere que o ritmo de investimento público feito em Trancoso não tenha comparação em nenhuma sede de concelho no distrito, as coisas não andam tanto como desejávamos.
