Segundo os Censos 2001, 39% da população portuguesa reside nas cidades, que correspondem apenas a 2% do território nacional. Acontece que, nas 15 cidades menos populosas, situadas obviamente no Interior, residem apenas 2% da população residente no total das cidades, enquanto que 50% dessa população se concentra nas 15 cidades mais populosas, situadas obviamente no litoral ou na sua proximidade imediata.
Estes dados desenham um mosaico desequilibrado, que é exponenciado pela distribuição do Fundo Geral Municipal, inscrita na actual Lei das Finanças Locais, que se baseia em 65% nos dados populacionais e na média de dormidas em estabelecimentos hoteleiros e parques de campismo.
Pois se a população está concentrada nas cidades do litoral, onde estão também, como resultado da distribuição dos dinheiros públicos, os maiores investimentos em estabelecimentos hoteleiros, como se fará, no futuro, a gestão destes territórios de interior, onde escasseia a população e o investimento privado, onde as maiores indústrias de emprego são as próprias autarquias?
Só pode concluir-se a total falta de audição do governo perante os lamentos das regiões do Interior, que o país não é pensado como um todo mas sim como um conjunto hieraquizado de diferentes poderes, diferentes forças…o meu voto tem menos força do que o de um cidadão de Lisboa, simplesmente porque a imponderabilidade do meu voto nas próximas legislativas (tal como o dos outros milhares de nós que residimos no Interior) é menos assustadora do que a do voto de um dos milhões de Lisboa e Vale do Tejo.
Assim sendo, e na mesma medida, qualquer decisão sobre desconcentração ou descentralização, com base no modelo administrativo vigente, prejudica os interiorizados, porque assenta em pressupostos territoriais extremamente díspares, onde nunca seremos tidos como “matéria de facto”.
Este dilema, associado às grandes insuficiências do actual modelo de gestão administrativa do território, que se desmultiplica em Concelhos e Juntas de Freguesia com grandes territórios para gerir, mas sem recursos financeiros e humanos para o fazer, onde se somam Associações de Municípios e Comunidades Urbanas criadas para aceder (ou tentar) a um pouco mais de dinheiro, mas sem estratégias de actuação concertadas, sem conceitos de complementaridade nem solidariedade. E Porquê? Porque se regem, necessariamente, pelo princípio da sobrevivência, do adiar da morte, que pode turvar a visão dos maiores visionários.
Ainda assim, o Governo entende ter concluído o processo de organização autárquica do país que, associado à reorganização administrativa (baseada nas cinco regiões Nuts II e na divisão sub-regional dos distritos) julga poder alicerçar uma futura regionalização.
Pois eu acho que entende mal, pois considero obrigatório que, num futuro processo de regionalização, se reveja, se repense, todo o modelo de organização politica, antes de se pensar em estabelecer um nível institucional intermédio.
É necessária coragem política para colocar em causa a dimensão estratégica das actuais figuras politicas municipais, provada que está a sua incapacidade na resolução de questões de âmbito supra-municipal, actualmente incontornáveis. Para além das dificuldades que começam a sentir no assumir das inúmeras competências, que na sequência desse processo de descentralização do Estado, lhes estão a ser transferidas pelo poder central.
Defendo assim uma discussão alargada sobre a possibilidade de agregar/ redimensionar concelhos e freguesias, defendo menos vozes, mas vozes mais afinadas, mais poderosas. Ou outra qualquer divisão administrativa, mais compatível com o que deveremos ser hoje… vozes na (e da) Europa.
Acredito que só a partir desta reflexão séria poderemos garantir o equilíbrio na interacção da população com os centros de decisão, e talvez encontrar um modelo institucional que adopte novos órgãos com poder obtido através de legitimidade política directa mas com capacidade financeira adequada às verdadeiras necessidades dos diferentes territórios.
Por: Cláudia Quelhas