Diz-me um cliente que os bancos o não largam. No último domingo de Abril, pela manhã, pensava ele na melhor maneira de resolver as dificuldades da vida, começou o telemóvel a tocar. Era um número privado e ele adivinhou logo que seria de um banco. Tinha razão, desta vez era a prestação do carro, atrasada dois meses. A senhora, do outro lado, depois de esclarecer que sim, que agora também telefonavam ao domingo de manhã, avisou-o de que teria de pagar tudo até ao próximo dia 29, “até às 15 horas”, ou então o processo ia para contencioso. Não adiantou de nada dizer que era impossível conseguir fazer o pagamento até esse dia (“já lhe disse, vai para contencioso”), nem a conseguiu comover com as suas próprias histórias tristes de créditos malparados. Não pagou no dia 29, mas pagou no dia 30, que um dos muitos devedores relapsos teve pena dele. No dia 4 de Maio, já depois de jantar, recebeu mais um telefonema, do mesmo banco, da mesma senhora: “é preciso que faça um depósito, amanhã sem falta, de uma importância que ficou por pagar do recibo de Março, quer tomar nota dos dados?”. Entidade, referência, importância. Eram apenas setenta e sete cêntimos, pouco mais do que terá custado a chamada.
A outro banco perguntou se estavam assim tão desesperados e se andavam a telefonar a toda a gente que lhes devia dinheiro. Que não, que só telefonavam a quem ainda achavam que podia pagar e que muita gente já nem atendia o telefone, sobretudo quando a chamada não é identificada. “Não acha inquietante que os funcionários das Finanças tenham workshops com o treinador da selecção nacional de rugby?”, pergunta-me o meu cliente. “Qualquer dia, quando me entrarem pela empresa dentro começam por fazer a “haka”, como os All Blacks, só para me intimidarem”. “E já estão como os bancos”, acrescenta, “telefonam a toda a hora a pedir-me dinheiro”. Ele faz o mesmo. Assim que recebe mais uma dessas chamadas, agarra no telefone e em meia dúzia de facturas vencidas e começa a pedir dinheiro aos seus muitos devedores. As respostas variam entre a mentira descarada (“O cheque está no correio”), a honestidade sem grande esperança (“estamos à espera de cobrar também nós algumas facturas e depois, se tudo correr bem, pagamos”), ou a sua favorita absoluta: “o Vice-Presidente para a área financeira ainda não desbloqueou a verba”.
Conta-me ainda que começa a ficar preocupado porque passa demasiado tempo a atender chamadas de credores e a ter de inventar desculpas, ou fazer promessas que sabe não poder cumprir, ou então a fazer ele próprio telefonemas e a ouvir desculpas e promessas em que não acredita. “Não tenho é trabalhado”, acrescenta, “não me tem sobrado tempo”. Aí já eu próprio tinha perdido as esperanças de lhe cobrar os meus honorários. Mas ele conclui: “Decidi deixar de atender chamadas e passar todo o tempo disponível a telefonar eu a quem me deve dinheiro. Massacro-os dia e noite. O problema é que quando reconhecem o número não atendem e, se oculto o número, pensam que estou a ligar de um banco e não atendem também”.
Por: António Ferreira