Comemorámos recentemente duas efemérides que marcam indubitavelmente a vida cívica dos Portugueses.
Referimo-nos, obviamente, ao 25 de Abril e ao 1.º de Maio.
Quanto às comemorações do 25 de Abril, cada cidade, vila ou comunidade vive-as ou recorda-as conforme os seus valores democráticos e a sua vivência cívica.
Seria importante que, para além, do hastear de bandeiras e do ecoar do hino, se desenvolvesse um trabalho de cidadania para que a juventude interiorizasse na sua postura cívica os valores que Abril preconizava.
Não basta por um cravo na lapela e passear-se pelo passeio público. Todos sabemos que fica bem e dá jeito a muita gente, só que o verniz cai depressa.
Mas, o tempo e o modo estavam suspensos por um discurso. Como se um discurso fosse decisivo para a mudança do que quer que seja.
Como quase sempre, nestes momentos de grandes expectativas, no final vem a desilusão.
Importava, isso sim, que os valores de Abril atingissem plenitude na vida difícil dos Portugueses e que fossem a razão de uma qualquer governação. Só que, a política da governação diverge, em muito, dos valores de Abril.
Nalguns casos, objectivamente, assistimos à prática de atitudes nada consentâneas com os valores democráticos de Abril.
Os Portugueses continuam a valorizar a liberdade como o objectivo mais conseguido em Abril de 74, no entanto, há sinais preocupantes que nos levam a temer que algo de muito grave pode acontecer neste Portugal, ainda dito democrático.
Os acontecimentos mais recentes são reveladores de preocupação face à prepotência e abuso de poder de instituições que pelo seu cariz e nomeadamente pela sua natureza pública, manifestamente, deveriam ter outro comportamento.
Exemplos, existem mais que muitos, infelizmente.
O caso da escola de Fafe é paradigmático. A propósito de uma manifestação de alunos que, utilizando práticas condenáveis, sofrem «interrogatórios» de inspectores de educação (?) que mais parecem saídos do tenebroso edifício da António Maria Cardoso. O cenário em si, era já terrível; numa sala, apenas aluno e inspector. Depois, o inquisidor queria saber: Como é que souberam que a ministra vinha a Fafe? Quem é que se lembrou de fazer a manifestação? Os professores deram aulas? Marcaram faltas a quem não esteve na sala? Como é que os alunos saíram da escola? Estava algum funcionário à porta?
No final de um interrogatório chegou-se ao cúmulo de «obrigar» uma aluna a assinar um papel com a suposta transcrição das suas declarações.
Tudo isto parece irreal.
Ainda a propósito de censura, que dizer do facto de um primeiro-ministro de um País pertencente a uma Europa e em pleno século XXI, processar judicialmente jornalistas e, imagine-se um câmara man só porque, pasme-se, ousaram questionar procedimentos e decisões sobre o chamado caso Freeport; e que dizer do mais recente caso Ministério da Educação(ME)/Partido Socialista que, a propósito da campanha do «Magalhães» e do tempo de antena do PS, abusivamente realizaram filmagens numa escola de Castelo de Vide, sem qualquer autorização dos Pais e Encarregados de Educação. Grave, muito GRAVE.
Mas, se a utilização das imagens, sem a devida autorização, é punida por lei, que dizer do facto do secretário-geral do PS enviar pedido de desculpas aos Pais e Encarregados de Educação? Quem forneceu tais dados a um secretário de um partido político? Que diz a Comissão de Protecção de Dados sobre todo esta promiscuidade entre ME e PS?
É urgente que o esclareçam!
O que num dia, parece ser o fim, prova-se, no dia seguinte, que tinha sido apenas o princípio.
Neste 1.º de Maio de 2009, os Portugueses têm razão para estarem preocupados com o futuro. Um futuro sem perspectivas de melhoria das suas condições de vida..
Acusa-se a crise financeira mundial como a causa única da nossa situação; só que escamoteiam, por interesse próprio, que a crise global veio juntar-se a uma crise longa e estrutural que já existia e que as políticas neoliberais dos recentes governos vieram agravar.
O plano de desenvolvimento em Portugal foi um falhanço total, fruto das políticas governamentais. O nível das desigualdades aumentou em todos as estruturas sociais, mas, particularmente, no poder de compra; são as reformas de miséria, os míseros subsídios de desemprego, os fracos apoios sociais e o flagelo social chamado desemprego.
O desemprego assume hoje valores preocupantes; já são cerca de meio milhão de Portugueses que sofrem a angústia de perder o seu posto de trabalho; a cada hora que passa há mais 3 Portugueses que perdem o seu emprego.
Os dados oficiais indicam um aumento de 24% do desemprego em Março de 2009.
Para quem anunciou na campanha eleitoral a «recuperação» de 150 000 empregos, convenhamos que estamos bem longe de tal promessa, dessa e de muitas outras.
Mas, se a crise é nacional é também verdade que os Portugueses que vivem nas regiões menos desenvolvidas, resultado de uma interiorização cada vez mais longe do progresso, sofrem ainda mais com a crise que nos impuseram e cujos verdadeiros culpados continuam, impunemente, a mandar e a decidir a vida de milhões.
Por: Jorge Noutel *
* deputado à Assembleia Municipal da Guarda pelo Bloco de Esquerda