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A visita papal

Theatrum mundi

São múltiplos os aspectos que permitem atribuir o qualificativo de ‘papal’ às deslocações ao estrangeiro do presidente dos Estados Unidos da América. Com maioria de razão quando o presidente se chama Barack Hussein Obama e a deslocação em causa é a primeira visita à Europa desde a sua eleição, no passado mês de Novembro. Para milhões de americanos, Obama é um profeta carismático na mais profunda tradição evangélica, e o seu verbo reinventa o mundo e separa a ordem do caos. Na cerimónia da tomada de posse, muitos viram nele o sumo pontífice que dirige a cidade sobre a colina e estende sobre ela – sobre a colina, que é como quem diz o mundo – a sua influência benigna. Para os europeus, consideravelmente mais seculares na abordagem da política, ele não deixa de ser visto como o salvador dos tempos modernos; o herói cívico à maneira laica, mas salvador ainda assim, e portador de uma ansiada boa nova.

No contexto da actual crise financeira e económica global, a visita de Obama à Europa criou a expectativa de uma autêntica visita papal, evangelizadora, e a autoridade do verbo foi repetidamente testemunhada de Londres a Istambul, passando por Praga e Estrasburgo. As aparições multiplicaram-se em ocasiões mais reservadas umas e multitudinárias outras, e não faltou o encontro com jovens, onde Obama pôde confrontar-se com as perplexidades das novas gerações de europeus. Também não faltou a anedota, protagonizada pelo inefável Silvio Berlusconi. No jantar oferecido por Isabel II, em Londres, por ocasião da cimeira do G20, os comensais foram surpreendidos por uma vozearia que conseguiu irritar a fleumática monarca britânica. Era o primeiro-ministro italiano a chama a atenção de Obama: «Senhor Obama, sou o senhor Berlusconi!» A tudo respondeu Obama com a modéstia própria das almas serenas, declarando mais de uma vez que tinha vindo aprender e não dispunha de soluções milagrosas.

Entre crentes e conversos, muitos são já os que admitem que os resultados da visita superaram as expectativas (que em grande medida atribuem directamente ao carisma de Obama), depois de que nos dias anteriores à sua chegada se tivessem adensado os receios de um fosso insuperável entre americanos (com os ingleses a seu lado) e europeus quanto, por exemplo, à forma de enfrenta a crise global. Depois das ameaças de Sarkozy de que se retiraria da cimeira do G20 caso não houvesse acordo substancial, foi possível negociar princípios de uma ordem económica global mais justa e equitativa onde as instituições internacionais disponham, não só de mais dinheiro para a ajuda ao desenvolvimento e aos países em dificuldades financeiras, mas também de renovadas funções de regulação efectiva e global. A boa nova foi sendo proclamada por Obama no seu périplo europeu: que os Estados assumirão a liderança mundial nas negociações para um novo acordo climático global; que os Estados unidos assumirão as suas responsabilidades para construir um mundo livre de armas nucleares; por fim, que os Estados Unidos não estão em guerra com o mundo islâmico e querem aproximar-se dele. E as proclamações de Londres, Estrasburgo e Istambul já estão a criar uma nova iconografia: a do grande conciliador, dotado de autoridade moral e investido de uma legitimidade genuinamente global.

Quanto à outra visita, a que levou o Papa Ratzinger a África, ficou marcada pelo trágico desajuste da cúria romana face ao mundo que está para lá da praça vaticana.

Por: Marcos Farias Ferreira

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