Apesar da legislação ter sido alterada há precisamente um ano, os médicos espanhóis a exercer no distrito continuam a ter problemas em circular em Portugal com carros matriculados no seu país de origem. Vigora desde 1 de Janeiro do ano passado um sistema de guias de admissão temporária de veículos na alfândega de Vilar Formoso, válida por um ano ou seis meses, passadas aos profissionais que residem em Espanha e trabalham a 60 quilómetros da fronteira.
Contudo, a medida do Governo não tem sido suficiente para evitar problemas. Que o diga Mercedes Prieto, médica no posto de Aldeia Viçosa (Guarda). A clínica exerce há oito anos em Portugal e está desde 30 de Novembro de licença sem vencimento. Tudo por causa de uma série de episódios «caricatos» passados, durante vários meses, na Alfândega de Vilar Formoso. Em Setembro, a Brigada Fiscal autuou-a por circular sem a guia necessária. Na altura pagou 174 euros de multa, naquele que foi o início de uma história «desesperante», confessa. A médica justifica a contra-ordenação por ter regressado ao trabalho «depois de vários meses de ausência», em que esteve de licença de parto. Dirigiu-se à alfândega, «onde impera a falta de profissionalismo», para proceder ao pagamento. «Só que não me queriam devolver os documentos mesmo depois ter pago», recorda. «Mas eu sabia que tinha direito a 10 dias para tratar da emissão do documento e exigi que me deixassem conduzir. Chegou a juntar-se um grupo de funcionários a consultar a lei à minha frente e lá decidiram que eu tinha razão», revela.
Só que alguns dias depois, o pedido de emissão da guia foi indeferido, porque a médica comprou casa em Portugal. A particularidade do caso originou confusão. «Os funcionários não sabiam como é que eu podia regularizar a minha situação, até sugeriram que a única solução era vender a casa, o que eu não queria», recorda. Depois de momentos de «caos total, em que os funcionários revelaram desconhecer questões óbvias do dia-a-dia do serviço», e de muitas idas à alfândega entregar «mil e um papéis diferentes», Mercedes Prieto pôs mãos à obra e tentou encontrar outra solução. Que, efectivamente, existia. «Tanto que agora tenho a guia e a casa», ironiza. O processo foi tão simples como passar a casa de “habitação permanente” para “habitação secundária” e pagar o imposto correspondente, da ordem dos mil euros. A médica recorda que, quando meteu os papéis, «nem os funcionários sabiam se ia resultar ou não».
«Mandam parar os carros espanhóis e perguntam-nos a profissão»
Pelo meio, ficou impossibilitada de conduzir durante um mês, porque «se fosse apanhada outra vez sem os documentos apreendiam-me o carro». Para conseguir trabalhar, o pai, reformado, fazia o caminho de 180 quilómetros entre Aldeia Viçosa e Salamanca para a levar ao trabalho. «Até que houve um período em que não me pôde levar e tive que tirar a licença», refere. Isto, para além de, na primeira semana, ter faltado ao trabalho, «porque não sabia o que fazer». Contudo, a guia lá acabou por chegar, a 9 de Dezembro – três meses depois. «Fiquei com a ideia de profunda incompetência daquele serviço», lamenta a médica. «Portugal parece um país terceiro-mundista em que a lei não é aplicada da mesma maneira», critica, revelando que um colega da Galiza, que trabalha no Norte, teve a guia no mesmo dia em que a pediu.
O porta-voz do Colectivo de Médicos Espanhóis na Guarda, Francisco Novoa, confirma que os problemas continuam a acontecer. «É mentira o que o Governo prometeu no ano passado, nada está a ser cumprido», acusa o clínico. «Mandam parar os carros espanhóis e até nos perguntam a profissão. Se respondermos a verdade, está feito, multa e mais nada», denuncia. «Pelo menos seis médicos foram embora por causa disto, até porque agora há trabalho em Espanha e não temos que nos sujeitar», considera. De resto, os dois médicos são peremptórios em afirmar que «são pedidos documentos diferentes às pessoas para a emissão da guia. É como que uma anarquia, ninguém se entende», critica Mercedes Prieto. O INTERIOR não conseguiu obter, até ao fecho desta edição, quaisquer esclarecimentos por parte das entidades responsáveis.
Rosa Ramos