Entrou em vigor esta segunda-feira a nova lei do divórcio. Como parte desinteressada, não tenho nenhuma opinião válida sobre o assunto, o que não me impede de escrever uma página inteira acerca do tema. Digo parte desinteressada porque sou solteiro – o leitor talvez desconheça este facto, não é um tema a que me refira muitas vezes. Devo acrescentar que sou solteiro por escolha. Não foi minha, a escolha, mas o que lá vai, lá vai e não guardo nenhum ressentimentos a essa grandessíssima parva com profundo grau de estupidez.
O Presidente da República mostrou as suas reservas à lei do divórcio por considerar que vai longe demais. Permito-me discordar. Eu penso que a lei não vai longe o suficiente. A lei pretende facilitar a separação de duas pessoas que já não se amam, mas não faz nada para juntar ou aproximar pessoas que podem muito bem vir a amar-se. Senhores deputados, os nossos corações são como os cofres dos bancos e já vimos o que acontece quando se deixam esses assuntos em sistema de auto-regulação. Esta lei do divórcio é uma espécie de Vítor Constâncio do afecto. Ponha-se ordem nisto.
O governo devia publicar em Diário da República uma espécie de manual de engate. Aposto que o PS, que gosta de regular todos os bocadinhos da vida das pessoas, já deve ter pensado nisso. Estamos mesmo a precisar de regras de conduta para relações heterossexuais. Um preâmbulo que clarifique o estado actual das relações entre duas pessoas. Um capítulo que oriente o que devemos fazer quando vamos jantar fora. Um artigo que obrigue as mulheres a serem claras naquilo que querem. (Reconheço a dificuldade de implementar uma norma jurídica assim, mas a lei é precisamente a adequação do natural ao social.) Não sou exactamente um defensor da regulação excessiva, mas acredito que há dimensões da vida que só a coerção legal pode resolver.
Com o sumiço das regras clássicas de etiqueta, os homens de hoje têm a tarefa mais difícil da história da Homenidade (o conjunto dos homens, por contraponto a Humanidade, o conjunto dos humanos). As mulheres de hoje não são fáceis de perceber. Nunca sabemos se lidamos com uma Betty Friedan na arena intelectual, com uma Paris Hilton na vida social ou uma Jenna Jameson na actividade sexual. (Pelo contrário, sabemos que a nossa vida é uma desgraça quando a nossa namorada é uma Paris Hilton na cultura, uma Jenna Jameson no convívio social e uma Betty Friedan na cama.) Afinal, não é o fim das relações que precisa de ser simplificado, quando o início já é a dificuldade que se vê.
O governo, sempre tão activo na investigação científica, devia saber isto: o que nos faz falta é um código comum de compreensão. Uma espécie de dicionário bilingue masculino-feminino. Professor Malaca Casteleiro, mãos à obra. Organize-se uma grelha de interpretação de sinais e mande-se editar. Uma tabela periódica dos elementos da química sexual. Os partidos de esquerda deviam preocupar-se menos com a felicidade das pessoas casadas e preocupar-se mais com a felicidade das que gostariam de experimentar. Para isso só há uma solução. A lei do divórcio já está em vigor, redija-se rapidamente uma lei da atracção. Além de justa, esta é uma medida de longo prazo. É que a única forma de garantir muitos divórcios daqui a uns anos é juntar as pessoas agora.
Por: Nuno Amaral Jerónimo