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Viver para os outros, mas envelhecer sozinho

Desde 2007 que o Seminário da Guarda tem a funcionar uma Residência Sénior para acolher os sacerdotes idosos da Diocese

O padre Manuel Leitão foi o último a chegar. Tem 92 anos e deixou de celebrar missa há pouco mais de um mês em Melo, no concelho de Gouveia. Ali permaneceu desde a década de 80. Agora tem uma casa nova onde pode partilhar as muitas histórias de um longo percurso de vida e de vocação, que começou a 9 de Outubro de 1926, quando entrou para o Seminário do Fundão, no mesmo dia que o poeta Eugénio de Andrade.

A Residência Sénior do Seminário Maior da Guarda não é mais do que um lar para sacerdotes idosos. Longe vão os tempos em que o edifício albergava mais de uma centena de alunos. Hoje, nem chegam a 30 e a “casa” parece cada vez maior. Assim, uma das alas do Seminário – profundamente remodelado em 1996 – foi convertida em centro de acolhimento para párocos retirados. É que os tempos são outros. «Ao contrário de antigamente, os padres vivem sozinhos e não têm o amparo de uma irmã ou de outro familiar na velhice», explica o padre Joaquim Pinheiro, director do Seminário da Guarda. Depois, não são raras as «situações de precariedade económica». A reforma dos sacerdotes acontece aos 65 anos, mas as remunerações são pequenas, «da ordem dos 300 euros», adianta, acrescentando que «alguns conseguem aumentar esse rendimento, continuando a celebrar missas ou conjugando com reformas do ensino». Mas, apesar de tudo, «a maioria vive com dificuldades», garante.

Outro dos problemas prende-se com a difícil adaptação dos padres à realidade dos lares convencionais. «Os sacerdotes têm, ao longo da vida, uma experiência diferente e é normal que não se sintam confortáveis nesses lugares, até os próprios idosos não se sentem tão à vontade», acredita o director do Seminário. Apesar disso, actualmente há três padres da Diocese que estão em lares – dois no Fundão e um na Associação Mutualista da Covilhã.

A Residência Sénior, que funciona desde 2007, tem capacidade para receber 11 sacerdotes. Os quartos são individuais e quase todos têm um pequeno escritório, casa de banho privativa e aquecimento central. Um luxo que custa apenas 300 euros mensais. Os utentes têm ainda à sua disposição uma capela privada, um refeitório e uma sala de convívio. Condições completamente distintas de um lar normal, «onde se engavetam pessoas», lamenta Joaquim Pinheiro. Aqui, os padres podem rezar em conjunto, partilhar experiências e receber visitas, além de serem integrados na vida do Seminário, ajudando os colegas a celebrar missa e nas confissões.

Actualmente, a Residência alberga sete padres, todos da Diocese. O mais “novo” tem 70 anos e ainda vai às suas paróquias, só que como vivia sozinho na casa paroquial, preferiu mudar-se para o Seminário. «Aqui tem outro tipo de apoio e está mais acompanhado», refere o director. Nesse sentido, Joaquim Pinheiro não duvida que estes sacerdotes estariam a passar «situações bem difíceis, a vários níveis, se não existisse esta valência». Entretanto, e porque a média de idades dos párocos da Diocese é grande, está a ser equacionada a criação de dois espaços similares em Gouveia e no Fundão para que estes utentes possam estar «mais perto das suas raízes». Outro dos objectivos, a médio prazo, é conseguir uma «comparticipação da Segurança Social», acrescenta Joaquim Pinheiro.

Ordenações na Guarda acima da média nacional

O distrito da Guarda é dos que apresenta melhores médias na ordenação de sacerdotes. Desde 1931 foram ordenados 329 padres, o que perfaz uma média de quatro por ano. «Estamos acima da média nacional», confirma o director do Seminário, enquanto revela que só este ano já aconteceram duas ordenações, estando agendada outra para o 8 de Dezembro.

Actualmente, a Diocese da Guarda tem 153 padres, mas apenas 120 estão no activo. Desses, só 89 são párocos. Nas décadas de 40 e 50 chegaram a ser mais de 200. Ainda assim, Joaquim Pinheiro garante que o número actual é «suficiente», até porque a realidade é outra: «Antes, todas as paróquias tinham um padre, o que se justificava. Mas hoje são pouco povoadas, pelo que não faz sentido», considera. De resto, também diz não acreditar na chamada “crise de vocações”: «Estamos apenas a viver um período diferente do dos anos 30 ou 40, numa sociedade que é diferente em tantas outras coisas. Na verdade, necessitamos de dois ou três padres por ano. Menos do que isso já vai complicar o atendimento pastoral da Diocese», refere. Dez alunos estão a frequentar o Seminário do Fundão e 20 na Guarda.

Rosa Ramos

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