Arquivo

“Eu só não sou professor…”

“Eu só não sou professor…”- desabafava no outro dia um professor da minha escola, com três décadas de carreira. Esta expressão, aparentemente contraditória, vinda de um docente, reflecte o estado de alma existente na minha e, penso que, em todas as escolas. Na verdade, com o novo Estatuto da Carreira Docente, os professores passaram a ter outras profissões. Seguindo uma ordem decrescente de ocupação temporal, das trinta e cinco horas semanais a que estamos obrigados por lei, em 60% do tempo somos secretários, 15% polícias, 10% educadores de infância, 10% mediadores de conflitos, sobrando apenas 5% ou menos para sermos professores. Ninguém, que esteja por fora, faz ideia dos elevados níveis de stress a que um docente está, actualmente, sujeito. Relativamente profissão de secretário, e numa altura em que a ideia deveria ser desburocratizar, a burocracia é assustadora, principalmente se se for Director de Turma. Imagino as toneladas de papel, que são gastas pelas escolas em cartas e cartinhas para os Encarregados de Educação, saberem da situação dos seus educandos. O menino faltou uma vez e não justificou? O menino é um mau menino, vai levar uma cartinha pró papá e é já. Está tudo louco! A escola transformou-se num estado policial. O menino tem um tempo livre? Não pode. Toca a arranjar-lhe uma substituição, fazendo cair um professor-paraquedista na sala. O que interessa é mantê-lo ocupado, ou melhor, policiado. Depois não se admirem da indisciplina. Apenas a ignorância do legislador, no que se refere às dinâmicas estabelecidas entre professor e aluno, poderia ter ditado as aulas de substituição. Projecto Curricular de Turma, outra inutilidade. Bonito no papel, inútil na prática. Tudo está maquinado para exercer pressão nos resultados. O que interessa é que as progressões se dêem. As reprovações estão “proibidas”. O aluno excedeu o limite de faltas? Dá-se-lhe a oportunidade de fazer um exame fácil, de preferência, para o manter artificialmente na escola, é preciso é que não desista, mesmo que ele queira aprender uma profissão noutro local que não a escola. Como os nossos alunos estão cada vez mais infantis, a função de educador infantil passou a fazer parte integrante da nossa profissão. Temos que educá-los e ensinar-lhes boas maneiras. Eles não têm culpa, a sociedade é sempre a culpada. Um professor dá uma carolada num aluno porque foi mal educado? Isso é agressão e pode acarretar suspensão do docente. Um aluno bate num professor? É um herói. Vai de férias para casa um ou dois dias (no máximo) e não pode reprovar por faltas porque, não se pode punir a criança duas vezes pelo mesmo facto. Boa!

Por fim. Ser professor. Somos tão bons que até conseguimos ensinar algumas das pessoas que agora nos infernizam a vida. Escolhi esta profissão, como a grande maioria dos meus colegas, porque é a mais nobre. Ajudar a formar moral e intelectualmente seres humanos é uma missão encarada com orgulho. Continuamos a gostar do que fazemos. Apenas queremos que nos deixem cumpri-la em paz, o que não está a acontecer. Sem divisões na carreira, porque somos todos iguais. Sem nos hostilizarem. As consequências deste estatuto, a médio prazo, vão ser catastróficas pois docentes desmoralizados, desautorizados e deprimidos não poderão cumprir cabalmente a sua função. As reformas antecipadas de quem viu a sua carreira degradar-se seriamente estão na ordem do dia. Não dá para aguentar as constantes facadas nas costas por parte de alguns ressabiados fazedores de opinião, nomeadamente do “inútil comentador mais bem pago da TVI”. Desconheço se o senhor Tavares teve uma infância infeliz ou se algum professor, alguma vez, lhe colocou orelhas de asno, mas quer-me parecer que o facto de a sua carreira como escritor já ter tido melhores dias, o deixa com azedume e o faz estar constantemente a bater na classe docente. Foram professores que ensinaram este senhor a ler e a escrever. Eu sei que, neste caso, falhámos. Deixem-nos ensinar em paz, pois já temos que chegue com a nossa ministra e alguns valters de pacotilha que nos andam a encher de Valiuns e Prozacs .

Por: José Carlos Lopes

Sobre o autor

Leave a Reply