Nicolas Baverez, economista, historiador, escritor e analista político em vários jornais europeus, veio a Lisboa, a convite da Fundação da Sociedade Francisco Manuel dos Santos, falar do futuro da Europa. O tema da conversa não podia andar muito longe da sua obra “Réveillez-vous!” (Acordem!).
Para Baverez, estamos a chegar ao fim dos quatro grandes ciclos que marcaram a nossa História – o do domínio do mundo pelo Ocidente desde os Descobrimentos, o da liderança norte-americana, o da ordem internacional saída de 1945 e o da mundialização liberal, que terminou com o grande abalo do capitalismo em 2008. «Hoje, a democracia atravessa a sua crise mais séria desde os anos de 1930 e, ao contrário do que se disse após a queda da URSS, a liberdade política não é um dado adquirido».
Ora, aqui chegados importa recordar que depois da II Guerra Mundial os pilares sobre os quais se construiu a Europa foram a resistência à URSS, a garantia da segurança norte-americana e a paz franco-alemã. Como não se conseguiu criar, em 1954, uma comunidade europeia de defesa, contornou-se isso construindo a Europa sobre a economia, o mercado e o Direito. Os tratados de Roma, Maastricht e Lisboa iniciam e confirmam que os líderes europeus estavam e estão muito mais interessados na livre circulação de bens e capitais, logo na defesa de um Estado Mercado mais do que de um Estado Social.
Daí, hoje, face ao desenvolvimento do neoliberalismo assente na globalização, estarmos à beira de uma cisão no seio da Europa. De um lado estão Macron e os seus seguidores, defensores do liberalismo da velha ordem, que se veem como os portadores do legado iluminista da Europa. Daí o seu compromisso com a democracia, o estado de direito, liberdade e direitos, investigação racional, cosmopolitismo, sociedade aberta e liberdade económica.
Do outro lado Viktor Orbán, primeiro-ministro da Hungria, que defende uma ordem liberal que reivindica incorporar a “verdadeira Europa”, com a sua herança cristã, o seu mosaico de identidades nacionais e a estrutura familiar tradicional na qual a sociedade do continente é construída.
Cumulativamente a esta «guerra de ideologias» temos um Brexit. A conjugação dos fatores é demasiado séria para não olharmos para as próximas eleições europeias com a responsabilidade devida por qualquer cidadão. Importa não ser hipócrita e saber alertar os cidadãos europeus para a grave crise que se anuncia para a próxima década. Não nos iludamos! O neoliberalismo e o seu “totalitarismo monetarista” provam que a ideia segundo a qual capitalismo e democracia são uma só e a mesma coisa não passa de um mito.
A primazia da política sobre a economia foi perdida, abandonada por políticos de todos os partidos. A política é ditada pelas corporações. Onde os interesses corporativos estão em jogo não há lugar para convenções democráticas ou controle comunitário. O espaço público desaparece. A Res Pública torna-se uma Res Privada ou – como ora podemos dizer – uma Res Privada Transnacional (privare, do latim, “despojar”).
É neste vazio da eficácia da ação democrática que se entrincheiram os movimentos radicais, usando e abusando do desespero dos povos, num quadro em que cada vez mais a política e o formalismo democrático se afastam das suas expectativas e sentimentos.
Assim, contrariando a teoria do “fim da história” de homens como Hegel e Fukuyama, assiste-se a um renovar das tensões e dos conflitos. Aldous Huxley, que compreendeu como ninguém as promessas e os perigos deste admirável mundo novo, disse um dia algo parecido a que talvez a maior lição da história seja que ninguém aprendeu com aquilo que ela nos ensinou. A Europa dos nossos dias é o exemplo perfeito desse fracasso…