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Cem cerimónias

observatório de ornitorrincos

A cerimónia de abertura dos Jogos Olímpicos de Pequim foi espectacular. Foi uma assombrosa demonstração da combinação da milenar cultura chinesa com o poderio tecnológico e humano da modernidade avançada. E esta é a opinião de quem não viu. O deslumbramento pela cerimónia é unânime. Até os grupos de defesa dos direitos humanos vieram já criticar os tibetanos por não quererem pertencer a um país que promove um espectáculo daqueles. Os monges de Lassa no fundo são gente com má vontade e que não gosta de desporto. Não é por acaso que ficam dias e dias sentados a pensar na morte da bezerra – e a pôr a culpa nos chineses.

O evento foi realmente extraordinário. Infelizmente tive de sair de casa durante a cerimónia e não pude ver um dos números mais aguardados, aquele que celebrava um dos mais arreigados costumes da “nova China”: o fuzilamento de presos políticos num estádio cheio de gente. E desta vez, para evitar protestos dos países ocidentais, acredito que as balas fossem pagas pelo Comité Olímpico e não pela família.

A verdade é que os chineses se aprestavam há séculos para receber os Jogos Olímpicos. Há mesmo registos de viajantes chineses no Peloponeso, que faziam reportagem nos Jogos Olímpicos e que comentaram como um discípulo de Platão “um dia havemos de organizar uma coisa destas”. E começaram a preparar o mundo desde cedo para essa inevitabilidade, desde logo pelas sopas. As sopas mais conhecidas dos restaurantes chineses são a sopa de ninho de andorinha e a de barbatanas de tubarão. Ora, o estádio do atletismo é o Ninho de Pássaro e os novos fatos da natação têm a mesma resistência à água que as barbatanas dos tubarões. Na cabecinha dos chineses nada acontece por acaso, nem que seja preciso esperar 3000 anos. Só um povo com tamanha paciência seria capaz de aguentar um chato como Deng Xiaoping desde essa altura.

Muita paciência foi precisa também para assistir ao desfile de todos os países, cada um com a sua bandeira e os seus trajes tipicamente ridículos. Portugal, por exemplo, desfilou com um cachecol na mão de cada um dos participantes, dando a ideia errada ao mundo todo que Portugal é um sítio onde faz frio. No dia seguinte, a imprensa inglesa comentava que a nossa Polícia Judiciária não só é incompetente como nunca usa cachecol, o que demonstra falta de classe e provoca constipações. Já as forças especiais são tão boas como as inglesas a abater brasileiros. Antes de regressar ao tema do desporto, registe-se que o campeão olímpico de tiro é um indiano, o que prova o enorme progresso desse outro gigante populacional. Embora haja tradição nas modalidades com armas de fogo, desta vez, em vez de ser um indiano a levar tiros, foi um a disparar.

Ainda na cerimónia de abertura, Tuvalu, que enfrenta a ameaça de ver todo o território submerso pela subida das águas do mar, desfilou pela primeira vez e última vez, a não ser que o Comité Olímpico deixe participar anfíbios a partir de 2012 ou Michael Phelps mude de nacionalidade.

Os Jogos Olímpicos começaram, e felizmente são transmitidos a horas decentes para as minhas insónias. Assim, enquanto os desportistas descansam, os europeus amantes de olimpíadas podem estar nas esplanadas a ver outras aberturas sem muitas cerimónias.

Post scriptum: Os judocas portugueses desiludiram um bocadinho. Não trazem nenhuma medalha. Fica provado que os únicos que conseguem atirar os chineses ao tapete são os agentes da ASAE.

Por: Nuno Amaral Jerónimo

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