“O Homem sonha, a obra nasce”. Dedico esta expressão ao sonhador que motivou o aparecimento de uma peça de arquitectura na encosta Sul da Avenida dos Bombeiros Voluntários Egitanienses. Há pessoas que insistem na ideia de criar, de progredir, de crescer, de produzir. Há pessoas assim. Aquela obra deve-se a uma dessas pessoas. O interesse não reside na pessoa em si…reside sobretudo naquilo que é possível mobilizar a partir da ideia e persistência de uma pessoa. E isto sim é fabuloso. Felizmente conhecemos alguns casos. Uns que criam uma mobilização favorável e outros contraproducente, é certo. Mas o belo é a força do movimento propriamente dito. É como se o Homem centrifugasse todo um contexto e o fizesse mover a uma velocidade tal que o desmaterializa. Ao parar, cria algo novo. E é porque afinal um Homem é apenas um homem que se torna tão forte e arrasador este conceito. Pela força que o indivíduo pode introduzir no colectivo.
Dirão alguns que é perigoso, que assim se inventa a bomba atómica. De facto. Mas é fascinante…
É também curioso como reage o colectivo a essa centrifugação. Uns envolvem-se, outros revolvem-se. Esta capacidade de agir sobre a matéria e o imaterial incomoda os inaptos. Insurgem-se muitas vezes os “especialistas” contra os factos, soltam os mesmos argumentos de que se servem toda uma vida…os mesmos argumentos da política, dos arrufos amorosos, da lavandaria. No caso do centro comercial Vivaci o argumento mais utilizado pelos “especialistas” é apelidar o edifício de “mamarracho”. Ora aí está um bom argumento. Afinal sempre é uma terminologia associada às artes…enigmática, de certa forma. E é este “enigma” a grande referência dos seu utilizadores. Para quem não percebe nada do assunto fica a ideia de que talvez sejam especialistas e que a ofensiva obra os deixou intelectualmente de rastos. Quem domina minimamente a matéria apelida-os simplesmente de ignorantes. Reservam-se o direito de falar de contexto, de enquadramento, de arquitectura, de materiais e plasticidade, babam-se de erros e continuam a falar aqui e ali, onde lhes perguntam e onde ninguém quer saber…ressabiados com as suas inócuas vidas…na expectativa de que deixem de o ser.
Mas “mamarracho” significa mau e imperfeito…algo sem valor. Então vejamos. Está em pé um edifício que marca a história da arquitectura da cidade da Guarda. Cresceu à luz das mais avançadas técnicas de engenharia vistas nestas cidade até à data, denota a eficiência dessa técnica e uma impressionante capacidade organizativa, tem intrínseco o conceito do novo rochedo da cidade do granito, simbólico e inovador porque se anda dentro dele, sobe-se e desce-se a cidade dentro dele, permite que se lhe olhem os olhos coloridos pela modernidade, esconde as surpresas que ele próprio e o centro histórico reservam. Como deve ser fascinante, sobretudo para um transeunte distraído, passar entre a muralha medieval e o recortado edifício e, chegando ao final da rua, deparar-se com a surpresa de uma cidade que paira sobre si própria. As cidades têm hierarquias, elementos simbólicos e direccionais. As cidades têm momentos de alternância urbanística, social, económica, arquitectónica. Há quem aja sobre essas alternâncias. E tu, quem és tu?
Por: Cláudia Quelhas